quarta-feira, 22 de outubro de 2008

“O senhor está querendo dizer que ele é uma vítima do sistema?!”

Depois de cinco dias de seqüestro, uma adolescente (moradora de um conjunto habitacional de moradias populares) foi morta pelo namorado, ocasião em que também ficou ferida uma amiga da jovem seqüestrada, que também fora retida no interior do apartamento. O fato ocorreu na periferia da cidade de Santo André, Grande São Paulo. No decorrer do seqüestro, jornalistas fizeram estardalhaço semelhante ao ocorrido quando do recente caso de uma menina atirada (supostamente pelo próprio pai) do sexto andar de um prédio. Também há paralelos – por se tratar de um seqüestro – com o caso do seqüestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro, em 2001, fato que foi objeto de dois filmes – Ônibus 174 e Última parada – 174.
O espetáculo midiático abrangeu todo o período do seqüestro, seguido de intermináveis conjecturas a respeito de erros da polícia, de perfil psicológico do seqüestrador, de boletins médicos das internadas (até a morte da vítima), sendo que até mesmo os órgãos doados da falecida foram objeto da espiação midiática, a fim de saber para onde e para quem iriam. Nada, porém, foi dito sobre o local onde sucedeu o seqüestro (os moradores do conjunto habitacional ficaram todos impossibilitados pela polícia de saírem de suas casas, sequer podendo ir trabalhar) e, muito menos, sobre a condição social dos envolvidos (o enciumado namorado armado com um revólver calibre 32) e a responsabilidade da mídia (principalmente das redes de TV) no desfecho do ocorrido. O amor, o ciúme e o crime, tais como difundidos pela mídia, existem em si, independentemente dos seres humanos que os sentem, praticam ou constroem.
Após o desfecho do caso, com ou sem erro da polícia (aliás essa mesma polícia nada mais tinha a ver com o confronto ocorrido na tarde do dia 16 de outubro, quando as polícias civil e militar se agrediram mutuamente com vários feridos, numa tentativa frustrada de policiais grevistas de chegarem ao Palácio dos Bandeirantes, para levarem suas reivindicações ao governador do Estado de São Paulo), a Rede Globo, a maior rede de TV brasileira, pôs em seus estúdios Rodrigo Pimentel, ex-comandante do BOPE, figura que se midiatizara como um dos elaboradores do filme mais pirateado da história do país, Tropa de Elite. O ex-militar logo cuidou de defender a polícia paulista, definindo-a como a mais preparada dentre as polícias brasileiras para esse tipo de operação, haja vista suas técnicas serem inspiradas na Swat, a polícia americana, mais uma vez revolvendo o graveto midiático vendido por Hollywood, de uma polícia de tolerância zero, protagonista de vários filmes de “final feliz”. Vários foram os que conjecturaram por que a polícia paulista não havia matado o namorado enciumado (transformado em seqüestrador), antes que ele tivesse atirado nas vítimas; tese natural – o tiro de comprometimento (quando é morto o seqüestrador) resolveria tudo (já que a vida do seqüestrador era inferior às outras) e propiciaria ainda mais espetáculo (um atirador de elite, estrategicamente posicionado, com uma arma de longo alcance, acertando o “bandido”, com seu revolver 32). Outros se perguntavam por que o rapaz não sem matou, também “resolvendo os problemas” e alimentando fartamente o espetáculo. Saindo preso, o “bandido” ficou sem seu advogado, que, evocando os microfones,explicou que deixava o caso pelo fato do seu cliente não ter cumprido sua palavra. Após a morte, após a doação dos órgãos da falecida, a mídia se alimenta das performances do sepultamento... o namorado enciumado (sem qualquer passagem pela polícia, e agora seqüestrador e homicida) já está devidamente condenado e nada que lhe ocorrer será, aos olhos da “opinião pública”, demais.
Na tarde de hoje (20.10), porém, algo interessante se passou: regurgitando o caso, a Rede Globo levou ao estúdio do Jornal Hoje (de abrangência nacional) um psiquiatra, Raul Gorayeb, para falar sobre o assunto e reafirmar todos os clichês do conservadorismo. Mas, eis que estando ali, o psiquiatra disse:
“– Eu prefiro focar de outro jeito; gostaria de perguntar, por exemplo, o que a nossa sociedade faz hoje com os jovens. A sociedade exige que eles aprendam a ter prazer e sucesso a qualquer custo, não importa o preço que se pague. Hoje em dia você é instigado a não aceitar falhas, perdas, insucessos, e reagir muitas vezes de uma forma bombástica quando as coisas não estão indo bem. Onde ficou, no nosso processo educacional, o lugar para que as pessoas aceitem que a vida também é feita de insucessos e problemas? Eu não o coloco como vítima, mas todos nós somos frutos de uma sociedade, na medida em que somos educados por ela.”
Interrupção da jornalista performática:
“– Mas então o senhor está querendo dizer que ele [Lindemberg] é uma vítima do sistema?!”
E o psiquiatra:
“– Não, não o coloco como vítima; eu acho que todos nós somos frutos de uma sociedade. A palavra ‘vítima’ tem um desvio meio moralista. Mesmo que uma tragédia dessas proporções não aconteça com freqüência, a gente tem que pensar no que se pode fazer em casos assim. Nós somos uma sociedade que induz os jovens a isso, na medida em que exigimos deles um absurdo – e não só dos jovens, dos adultos também. Essa tragédia toda deve dar a nós a oportunidade de aprender com nossos erros.”
Outras interrupções se sucedem: “Há vários outros jovens possessivos que explodem quando termina uma relação, como tratá-los, como observá-los, como cuidar desses jovens?”, “que devem fazer os pais que têm filhas adolescentes namorando homens mais velhos? Devem proibir?”...
As palavras do psiquiatra, por resvalarem no modo de produção social, rangeram entre os jornalistas, cujos ouvidos, àquela hora, já estariam solapados pelo "corta!, corta!". Mas, quantas pessoas (com seus imaginários midiaticamente sentimentalizados) terão olhado com atenção suficiente para perceber as referências indiretas (e talvez inconscientes) do entrevistado à seletividade do sistema penal e, conseqüentemente, ao modo de produção social?

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

"Dia do professor", dia de cão!

O professor é, antes de tudo, um sobrevivente. O sistema educacional brasileiro atual (ampla e majoritariamente dominado pelo ensino privado) é um lugar ingrato para qualquer professor, ainda mais para quem pretende ser educador (no sentido pleno do termo). Da falta de autonomia docente, aos baixos salários, à jornada imensa (para garantir a sobrevivência), ao desestímulo dos alunos (apenas guiados pelo ritmo da progressão continuada ou pelo diploma comprável), nada é romantizável. As contradições que caracterizam e definem a insossa vida cotidiana do nosso tempo estão todas presentes em cada sala de aula, não apenas em cada professor, mas em cada aluno. Assim como não cabem idealizações do professor (o "maestro do saber", como chegamos a supor quando crianças), também não cabem idealizações dos alunos ("o futuro da nação") e, muito menos da escola (faculdade/universidade): é na sala de aula - como observaram os professores franceses Pierre Bordieu e Jacques Passeron - que toda a maquinaria reificante das relações sociais, hierarquizadora e cruel, isso que as pessoas supõem algo tão abstrato quando falamos em modo de produção capitalista, se faz concretamente destrutiva. O professor, assim como outros, tantas vezes silenciado, não difere em nada dos seus alunos ou de quaisquer outros tantos (ou tontos), marionetes da divisão do trabalho... disperso por inutilidades absolutamente improdutivas, sem quaisquer sentido da obra, um professor é apenas um sobrevivente; o fato de ser professor não garante que alguém perceberá o absurdo deste mundo e a necessidade de transformá-lo, mesmo porque, enquanto se empenha em dar cabo às suas mercadorias - dar aulas (seja lá como forem estas), cumprir as burocracias acadêmicas, atender aos tantos que lhe interpelam por isto ou aquilo -, a vida segue, modorrentamente, sem que (mesmo ante a consciência do seu absurdo) um só passo seja dado para mudá-la... os dias passam: o cansaço, o salário, as contas, os juros, os prazos, as notas... E pensar? E agir? Quando?

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Os discípulos da Velhinha de Taubaté: ideologia e mídia no Brasil



A forma como a imprensa brasileira atua faz crer que a Velhinha de Taubaté fez mesmo discípulos Brasil afora, antes de morrer, em agosto de 2005, quando acompanhava o desenrolar da chamada "CPI do Mensalão". Somente supondo que sejamos um país de discípulos da Velhinha de Taubaté (que acreditava em todos os governos e em todos os políticos, desde Getúlio Vargas) para que a imprensa continue veiculando determinadas "notícias", com naturalidade semelhante à de um empate em zero a zero entre Atlético Clube Mandioquinha e Mutuca Futebol Clube.

Na edição desta quarta-feira, 08 de outubro, enquanto almoçava sozinho, assisti (eu, proto-discípulo da Velhinha) à veiculação de uma "notícia" pelo Jornal Hoje (telejornal da TV Globo), que muito me chamou a atenção. Noticiava-se em off, enquanto eram mostradas imagens de prédios destroçados e queimados, que, na cidade de São Mateus do Maranhão houve, após o resultado da eleição municipal de domingo último (05.10), uma revolta popular que resultou no incêndio do prédio da Prefeitura, da Câmara Municipal e de secretárias daquele município. A revolta, segundo a "notícia", teria se dado em virtude de inconformismo da população com o resultado da eleição; o juiz eleitoral, no entanto, informara que os resultados seriam mantidos. Dito isto, ato contínuo, passou-se a tratar de outro assunto, sem qualquer explicação sobre os fundamentos do inconformismo popular, sobre a falta de legitimidade dos resultados da eleição ou mesmo quem teriam sido os candidatos à prefeitura da cidade, quais os seus partidos, etc. Ou seja, os discípulos da Velhinha de Taubaté ficariam sem saber todos esses aspectos a respeito do caso (a "notícia" fora dada por completa).

No entanto, procurando informações em sítios da internet, pode-se verificar que a disputa eleitoral em São Mateus do Maranhão (cidade com 27.218 eleitores inscritos) foi polarizada entre dois candidatos - "Coronel [sic!] Rovélio" ou Francisco Rovélio Nunes Pessoa (atual prefeito, do PV) e Dr. Miltinho ou Hamilton Nogueira Aragão (oposicionista, do PSB). O que não conta o Jornal Hoje é que Coronel Rovélio representa a aliança com os Sarney e Dr. Miltinho conta com apoio do atual governador do Maranhão, em tese opositor de Sarney.

O que a "notícia" do Jornal Hoje não conta está bem contado no blog Direito & Cidadania (http://saomateusdomaranhao.blogspot.com/), publicado por Cleyton, graduando em Serviço Social pela Unitins: no decorrer da campanha, várias reclamações teriam sido levadas ao conhecimento do juiz eleitoral responsável, sem que respostas fundadas tivessem sido dadas. O candidato da oposição ingressou inclusive com Exceção de Suspeição contra o juiz eleitoral de São Mateus, conforme noticiado pelo Jornal Pequeno, em 20 de setembro de 2008 - Coligação pede suspeição de juiz acusado de beneficiar candidato sarneisista.

Encerrada a votação, abertas as urnas, Coronel Rovélio (militar reformado, com patrimônio de R$ 783.731,83, declarados à Justiça Eleitoral) venceu Dr. Miltinho (advogado, com patrimônio declarado de R$ 173.800,00) com diferença de apenas 22 (vinte e dois) votos. Somando-se a isso, todas as denúncias não apuradas e a carência de legitimidade da justiça eleitoral local, explodiu a revolta popular.

O blog Direito & Cidadania conta, inclusive, que o referido juiz (bem como o delegado da cidade) somente permaneceria na cidade três dias por semana - terça, quarta e quinta -, procedimento, alías, banalizado entre funcionários moradores da capital do Estado (São Luís) que ocupam cargos no interior. Nas ausências do delegado e do juiz (Direito & Cidadania fala mesmo de uma "terra sem lei"), os militantes de ambos os candidatos se atracavam em toda sorte de rivalidades, físicas, inclusive. Na postagem mais recente, o blog mencionado trata da rebelião popular, pormenorizando o ocorrido e apontando a leniência das autoridades locais (exceto o pároco e o promotor de justiça) em manifestar repúdio à reação violenta.

Essa "notícia", exemplar do tipo de jornalismo da Rede Globo, mostra bem suas vinculações ideológicas, já que no panorama nacional foram apenas reproduzidos os termos da TV Mirante, afiliada da Globo no Maranhão e de propriedade do Grupo Sarney.

Somente discípulos da Velhinha de Taubaté para não estranharem esse tipo de "notícia", veiculada com toda a "imparcialidade" do mundo. Fazendo jus ao modo como popularmente é conhecido o candidato eleito de São Mateus do Maranhão, o caso é ainda (como quando da mocidade da Velhinha de Taubaté) questão de "coronel". Atingimos a era digital, usamos urnas eletrônicas, mas o "coronelismo" (tanto o tradiconal quanto o midiatizado da política espetacular) ainda continua sendo um sintoma claro de que processos eleitorais não representarão mudança alguma; apenas constituem a forma decadente de manter uma "democracia" dissimulada. O expediente da reeleição (um dos meandros da carranca coronelística) termina por gerar situações exdrúxulas: o prefeito reeleito (Coronel Rovélio), no cargo, quer, agora, decretar Estado de Emergência e responsabilizar o opositor e o Governo do Maranhão pela revolta popular que culminou com a depredação das sedes do executivo municipal - como prefeito (no cargo) atua em defesa de si, como candidato, contra o candidato derrotado.

Tomando o grito do rap de Genival Oliveira Gonçalves, o "Gog", a população (manipulada ou não) de São Mateus do Maranhão ouviu algo como: "Revolucionários do Brasil, fogo no pavio!"

Ou como diz Gog: "Negociação com o patrão por um salário fixo... Fio condutor, o torturador da gravata, que no dia da eleição te transporta de graça!"

----- Revolução Caraíba recomenda assistir Maranhão 66, de Glauber Rocha, disponível na internet ou encontrável no dvd remasterizado de Terra em Transe.

---- Veja Fogo no pavio (Gog): http://www.youtube.com/watch?v=pjrCzCpcpII


Seminário Internacional - CENEDIC/Usp

Seminário Internacional do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania

Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Campus Cidade Universitária
Anfiteatro da Geografia

HEGEMONIA ÀS AVESSAS
Economia, Política e Cultura na Era da Servidão Financeira


– 21/22/23/24 de Outubro de 2008 –

21 de outubro
17:30: ABERTURA – Gabriel Cohn (USP)

19:00 – O TRABALHO APÓS O DESMANCHE
● Ricardo Antunes (Unicamp)
● Arne L. Kalleberg (Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill)
● Yves Cohen (École de Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS)

22 de outubro
10:30 – A CULTURA DA SERVIDÃO FINANCEIRA
● Maria Elisa Cevasco (USP)
● Luiz Martins (USP)
● Pedro Arantes (USP)

14:00 - Mostra: O CINEMA DO DESMANCHE: “Cronicamente inviável” de Sergio Bianchi.

17:00 - Mostra: O CINEMA DO DESMANCHE: “Os 12 trabalhos” de Ricardo Elias.

19:00 – DOMINAÇÃO FINANCEIRA E MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL
● José Dari Krein (Unicamp)
● Alexandre de Freitas Barbosa (Cebrap)
● Márcio Porchmann (IPEA-Unicamp)

23 de outubro
10:30 – A AMÉRICA LATINA NA ENCRUZILHADA
● Carlos Eduardo Martins (UFF)
● Ary Minella (UFSC)
● Gilberto Maringoni (Faculdade Casper Líbero)


14:00 –DO APARTHEID AO NEOLIBERALISMO
● Dennis Brutus (Universidade de KwaZulu-Natal – África do Sul)
● Omar Thomaz (Unicamp)
● José Luis Cabaço (Universidade Técnica de Moçambique – UDM)

17:00 - Mostra: O CINEMA DO DESMANCHE: “O invasor” de Beto Brant.

19:00 – O SOCIALISMO APÓS O DESMANCHE
● Alvaro Bianchi (Unicamp)
● Brian Palmer (Trent University)
● Wolfgang Leo Maar (UFSCar)

24 de outubro
10:30 - TEATRO E DESMANCHE URBANO
● Martin Eikmeier (Cia do Latão)
● Eugênio Lima (Núcleo Bartolomeu de Depoimentos; Frente 3 de Fevereiro)
● José Fernando (USP, Teatro de Narradores)

14:00 – A CIDADE E A MISÉRIA DA POLÍTICA
● Cibele Rizek (USP)
● Mariana Fix (USP)
● João Whitaker (USP)
● Carlos Vainer (UFRJ)

17:00 - Mostra: O CINEMA DO DESMANCHE:
Coordenação: Paulo Menezes (USP)
Debate Paulo Arantes (USP) e Paulo Menezes (USP)

19:00 – ENCERRAMENTO
HEGEMONIA ÀS AVESSAS: DECIFRA-ME... OU TE DEVORO!
● Francisco de Oliveira (USP)
● Carlos Nelson Coutinho (UFRJ)
● Paulo Arantes (USP)

terça-feira, 7 de outubro de 2008


Congresso Internacional do Medo



Provisoriamente não cantaremos o amor,

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio porque esse não existe,

existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,

o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,

cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,

depois morreremos de medo

e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.



FONTE: ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2008, p. 27.