segunda-feira, 6 de abril de 2009

Máquina de moer gente


Em relação à postagem anterior, por medida de justiça, reproduzimos carta de Antônio Roberto Espinosa (principal fonte da "reportagem" de 0ntem, 05.04, na Folha de S. Paulo), enviada por Urariano Mota ao blog Conversa Afiada (http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/?p=8604):


Caros amigos,


A Folha de São Paulo preparou uma “armadilha” para a Dilma usando uma entrevista que concedi a uma das suas repóteres da sucursal de Brasília. Encaminhei a carta abaixo à redação. E peço que todos os amigos que a façam chegar a quem acharem necessário: redações de jornais, revistas, emissoras de TV e pessoas que talvez possam ser afetadas ou se sintam indignadas pela má fé dos editores do jornal. Como sabem, sou favorável à transparência, por achar que a verdade é sempre o melhor caminho e, no fundo, revolucionária.


À coluna painel do leitor


Seguem cópias para o Ombudsman e para a redação. Vou enviar cópias também a toda a imprensa nacional. Peço que esta carta seja publicada na próxima edição. Segue abaixo:
Prezados senhores,
Chocado com a matéria publicada na edição de hoje (domingo, 5), páginas A8 a A10 deste jornal, a partir da chamada de capa “Grupo de Dilma planejou seqüestro de Delfim Neto”, e da repercussão da mesma nos blogs de vários de seus articulistas e no jornal Agora, do mesmo grupo, solicito a publicação desta carta na íntegra, sem edições ou cortes, na edição de amanhã, segunda-feira, 6 de abril, no “Painel do Leitor” (ou em espaço equivalente e com chamada de capa), para o restabelecimento da verdade, e sem prejuízo de outras medidas que vier a tomar. Esclareço preliminarmente que:
1) Não conheço pessoalmente a repórter Fernanda Odilla, pois fui entrevistado por ela somente por telefone. A propósito, estranho que um jornal do porte da Folha publique matérias dessa relevância com base somente em “investigações” telefônicas;
2) Nossa primeira conversa durou cerca de 3 horas e espero que tenha sido gravada. Desafio o jornal a publicar a entrevista na íntegra, para que o leitor a compare com o conteúdo da matéria editada. Esclareço que concedi a entrevista porque defendo a transparência e a clareza histórica, inclusive com a abertura dos arquivos da ditadura. Já concedi dezenas de entrevistas semelhantes a historiadores, jornalistas, estudantes e simples curiosos, e estou sempre disponível a todos os interessados;
3) Quem informou à Folha que o Superior Tribunal Militar (STM) guarda um precioso arquivo dos tempos da ditadura fui eu. A repórter, porém, não conseguiu acessar o arquivo, recorrendo novamente a mim, para que lhe fornecesse autorização pessoal por escrito, para investigar fatos relativos à minha participação na luta armada, não da ministra Dilma Rousseff. Posteriormente, por e-mail, fui novamente procurado pela repórter, que me enviou o croquis do trajeto para o sítio Gramadão, em Jundiaí, supostamente apreendido no aparelho em que eu residia, no bairro do Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. Ela indagou se eu reconhecia o desenho como parte do levantamento para o seqüestro do então ministro da Fazenda Delfim Neto. Na oportunidade disse-lhe que era a primeira vez que via o croquis e, como jornalista que também sou, lhe sugeri que mostrasse o desenho ao próprio Delfim (co-signatário do Ato Institucional número 5, principal quadro civil do governo ditatorial e cúmplice das ilegalidades, assassinatos e torturas).
Afirmo publicamente que os editores da Folha transformaram um não-fato de 40 anos atrás (o seqüestro que não houve de Delfim) num factóide do presente (iniciando uma forma sórdida de anticampanha contra a Ministra). A direção do jornal (ou a sua repórter, pouco importa) tomou como provas conclusivas somente o suposto croquis e a distorção grosseria de uma longa entrevista que concedi sobre a história da VAR-Palmares. Ou seja, praticou o pior tipo de jornalismo sensacionalista, algo que envergonha a profissão que também exerço há mais de 35 anos, entre os quais por dois meses na Última Hora, sob a direção de Samuel Wayner (demitido que fui pela intolerância do falecido Octávio Frias a pessoas com um passado político de lutas democráticas). A respeito da natureza tendenciosa da edição da referida matéria faço questão de esclarecer:
1) A VAR-Palmares não era o “grupo da Dilma”, mas uma organização política de resistência à infame ditadura que se alastrava sobre nosso país, que só era branda para os que se beneficiavam dela. Em virtude de sua defesa da democracia, da igualdade social e do socialismo, teve dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do regime, como Chael Charles Shreier, Yara Iavelberg, Carlos Roberto Zanirato, João Domingues da Silva, Fernando Ruivo e Carlos Alberto Soares de Freitas. O mais importante, hoje, não é saber se a estratégia e as táticas da organização estavam corretas ou não, mas que ela integrava a ampla resistência contra um regime ilegítimo, instaurado pela força bruta de um golpe militar;
2) Dilma Rousseff era militante da VAR-Palmares, sim, como é de conhecimento público, mas sempre teve uma militância somente política, ou seja, jamais participou de ações ou do planejamento de ações militares. O responsável nacional pelo setor militar da organização naquele período era eu, Antonio Roberto Espinosa. E assumo a responsabilidade moral e política por nossas iniciativas, denunciando como sórdidas as insinuações contra Dilma;
3) Dilma sequer teria como conhecer a idéia da ação, a menos que fosse informada por mim, o que, se ocorreu, foi para o conjunto do Comando Nacional e em termos rápidos e vagos. Isto porque a VAR-Palmares era uma organização clandestina e se preocupava com a segurança de seus quadros e planos, sem contar que “informação política” é algo completamente distinto de “informação factual”. Jamais eu diria a qualquer pessoa, mesmo do comando nacional, algo tão ingênuo, inútil e contraproducente como “vamos seqüestrar o Delfim, você concorda?”. O que disse à repórter é que informei politicamente ao nacional, que ficava no Rio de Janeiro, que o Regional de São Paulo estava fazendo um levantamento de um quadro importante do governo, talvez para seqüestro e resgate de companheiros então em precárias condições de saúde e em risco de morte pelas torturados sofridas. A esse propósito, convém lembrar que o próprio companheiro Carlos Marighela, comandante nacional da ALN, não ficou sabendo do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Por que, então, a Dilma deveria ser informada da ação contra o Delfim? É perfeitamente compreensível que ela não tivesse essa informação e totalmente crível que o próprio Carlos Araújo, seu então companheiro, diga hoje não se lembrar de nada;
4) A Folha, que errou a grafia de meu nome e uma de minhas ocupações atuais (não sou “doutorando em Relações Internacionais”, mas em Ciência Política), também informou na capa que havia um plano detalhado e que “a ação chegou a ter data e local definidos”. Se foi assim, qual era o local definido, o dia e a hora? Desafio que os editores mostrem a gravação em que eu teria informado isso à repórter;
5) Uma coisa elementar para quem viveu a época: qualquer plano de ação envolvia aspectos técnicos (ou seja, mais de caráter militar) e políticos. O levantamento (que é efetivamente o que estava sendo feito, não nego) seria apenas o começo do começo. Essa parte poderia ficar pronta em mais duas ou três semanas. Reiterando: o Comando Regional de São Paulo ainda não sabia com certeza sequer a freqüência e regularidade das visitas de Delfim a seu amigo no sítio. Depois disso seria preciso fazer o plano militar, ou seja, como a ação poderia ocorrer tecnicamente: planejamento logístico, armas, locais de esconderijo etc. Somente após o plano militar seria elaborado o plano político, a parte mais complicada e delicada de uma operação dessa natureza, que envolveria a estratégia de negociações, a definição das exigências para troca, a lista de companheiros a serem libertados, o manifesto ou declaração pública à nação etc. O comando nacional só participaria do planejamento , portanto, mais tarde, na sua fase política. Até pode ser que, no momento oportuno, viesse a delegar essa função a seus quadros mais experientes, possivelmente eu, o Carlos Araújo ou o Carlos Alberto, dificilmente a Dilma ou Mariano José da Silva, o Loiola, que haviam acabado de ser eleitos para a direção; no caso dela, sequer tinha vivência militar;
6) Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista pessoal – apelando para telefonemas e e-mails, e dependendo das orientações de um jornalista mais experiente, no caso o próprio entrevistado -, a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos, a Primeira e a Segunda auditorias de Guerra, de São Paulo, e a Segunda Auditoria da Marinha, do Rio de Janeiro.


Osasco, 5 de abril de 2009

Antonio Roberto Espinosa

Jornalista, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela USP, autor de Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.
** Na imagem acima, o editoral da Folha de S. Paulo de 17 fev. 2009, em cujo texto o jornal afirma ter havido no Brasil uma "ditabranda", em referência à ditadura militar que se instalou no país por meio de um golpe de Estado, em 1964. Imagem disponível em http://pedalante.wordpress.com/2009/03/06/show-jornalismo-canalha/.

domingo, 5 de abril de 2009

Del fin del mundo: "Darwin andando", sem viés





Segundo reportagem da Folha de São Paulo de hoje, o grupo ao qual pertencera Dilma Roussef (a Vanguarda Popular Revolucionária - VPR) na luta contra a ditadura militar teria planejado sequestrar o então ministro Delfim Netto.

A ministra pediu à entrevistadora que registrasse sua "negativa peremptória" (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u545690.shtml) de que não tinha conhecimento do plano de seqüestro do então ministro. A jornalista da Folha, Fernanda Odilla, teria entevistado um dos ex-combatentes da VPR, hoje doutorando em Relações Internacionais pela USP, Antônio Roberto Espinosa, que teria fornecidos detalhes ("segredos que diz não ter revelado sob tortura") do plano e do conhecimento de Dilma do mesmo.


Segundo o informante da repórter, o seqüestro de Delfim Netto se daria em um sítio de amigos no interior de São Paulo, local por ele visitado. Haveria, inclusive, um mapa (feito por Espinosa) que atestaria a elaboração do plano. Procurado, Delfim Netto teria afirmado desconhecer a existência da trama de seqüestro; confirmou, porém, que freqüentava o sítio indicado.


Fora o caráter de pré-campanha eleitoral da "reportagem" (feita sob o pretexto da desmoralização de adversários políticos), algo intrigante existe sobre a figura de Delfim Netto. Deveria ser inaceitável (em um governo que se pretende de "esquerda") como o "guru", o "oráculo"* do Presidente Lula (apontado por Delfim como aquele que "salvou o capitalismo brasileiro"), um dos homens que assinaram o Ato Institucional n. 05 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm). Deveria ao menos haver "causado ruído" quando, em 2002, Delfim apoiou Lula (aquele de quem, segundo Regina Serra Duarte, os brasileiros deveriam ter medo); quando, em 2008, Lula indicou, em um só ato, Delfim e MV Bill para compor o Conselho de TV Pública; quando Delfim passou a escrever na Revista Carta Capital (o único semanário mais próximo do governo e de uma postura da "nova esquerda") - o fato de que ele escreva na Folha ou no Valor Econômico é menos acintoso; ou nas reiteradas vezes em que Delfim é sacralizado pela mídia como o profeta sobre os destinos brasileiros.


Na faísca de discussão pública que Tarso Genro e Paulo Vannuchi encetaram sobre a Lei de Anistia (também esta, claro, assinada por Delfim), ninguém procurou o "oráculo" de Lula (Antônio Delfim Netto) para perguntar a sua opinião. Sempre o expediente da hipocrisia ou da ausência de memória.


À "reportagem" da Folha de hoje se opõe a coragem e luci(a)cidez de Paulo Henrique Amorim (http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/?p=8604), que, sem titubear, põe o dedo na ferida do Partido da Imprensa Golpista (PIG): "A reportagem tem a finalidade de provocar o “medo” em Regina Duarte e as “mal-amadas” (**) de Higienópolis.Esse truque - dizer que o Lula comia criancinhas - resultou em duas vitórias esmagadoras de Lula, pela mesma margem de 61% a 39% - contra Serra e Geraldo Alckmin. Lula não come criancinha nem a Dilma. Mas, a Regina Duarte vai ficar com medo, de novo. E por que a Folha (*) não faz o mea-culpa? Mudou de ideias ou de métodos? Ou nenhum dos dois? Por que a Folha (*) não confessa que usava os carros de reportagem para ajudar a torturar presos políticos como a Dilma? E sobre o José Serra? Por que ele foi para o exílio?".


Das instituições, do Estado (esse aparelho de defesa dos interesses dos 6% que concentram os meios de produção no Brasil - cf. POCHMANN, Márcio. Atlas da nova extratificação social do Brasil. São Paulo: IPEA, 2009, vol. 03), dos partidos políticos reconhecidos, das eleições, não há mesmo o que esperar (mudar o mundo é apenas um slogan para enganar o povo); nesse contexto, que se corteje um dos mentores do aparelho de repressão e desaparecimento de pessoas (instalado por todas as instituições já citadas), como se ele tivesse mesmo algo a nos dizer e legitimidade para nos representar, passa a ser tão indiferente quanto eleger Dilma (que teria, segundo Delfim, se livrado "do viés [antiprivatista] que teve no passado") ou Serra (ambos feitos no protesto à ditadura), porque seus hipotéticos projetos já não se distinguem, como não se distinguem os quereres do ex-sindicalista/perseguido pela ditadura/presidente da república Lula e do ex-ministro do governo militar/atual guru Delfim. As ilusões sobre o Estado se acentuam (e os incautos assentem, como se o neoliberalismo fosse a única alternativa oposta) e no fim, de del-fin em Delfim's, de Darwin andando** em Marx-não-lido, a história se faz como farsa.




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* Delfim Netto, em entrevista a O Estado de S. Paulo, declarou sobre essa qualificação de "conselheiro" de Lula: "Isso é história. De vez em quando, ele me honra com um convite. Vou lá e conversamos sobre o Corinthians." (cf. http://blogdofavre.ig.com.br/tag/delfim-netto/).


** Delfim afirmou na entrevista citada (cf. http://blogdofavre.ig.com.br/tag/delfim-netto/): "O Lula é um sobrevivente. O Lula é o Darwin andando. É um processo da seleção natural mesmo, e com uma vantagem: nunca leu Karl Marx."


+++ Na imagem acima (http://lutaclassista.files.wordpress.com/2008/10/combativa-manifestacao-de-repudio-a-farsa-eleitoral-realizada-pela-frente1.jpg), manifestação da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), em Rondônia.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Ainda o transe: Deus e o Diabo na terra do sol


Meia-noite de sexta-feira, descendo a escadaria da Estação Osasco da CPTM, trabalhadores extenuados rumam seus corpos para os torpores de dois dias de descanso (isso quem não terá de cumprir as quatro horas de trabalho da manhã de sábado).

Descendo a escadaria, duas radiolas na rua, uma de cada lado da saída da estação, fazem cruzar o canto gospel e o canto profano do forró. Assim como Deus e o Diabo são da mesma cepa, assim como o bem e o mal só existem um em relação ao outro, assim como se acende uma vela e se cuida de apagá-la com um gole de cerveja ou cachaça, assim como se perdoa e se vinga, assim como se vive e se morre...

Nas ondas sonoras da sexta-feira que já não é e do sábado que ainda não pode ser, nesse limiar ignorado pelos defensores do bem e do mal, existem os artífices do transe latino-americano.

Ouçamos, em vermelho, as vozes do mundo; e em cor sóbria, a voz do sagrado:


Como Zaqueu eu quero subir
Bandida vou sair da sua vida
O mais alto que eu puder
Mesmo tu sendo tão linda

Só pra te ver, olhar para Ti
Cansei de te procurar
E chamar sua atenção para mim
Decidi vou te deixar
Eu preciso de Ti, Senhor
Você, não falou que era santa
Eu preciso de Ti, Oh! Pai
Veja só o que você fez
Sou pequeno demais
Mais a paixão era tanta
Me dá a Tua Paz
Você, não falou de sentimento
Largo tudo pra te seguir

E agora por um momento
Entra na minha casa
Quer se declarar de vez
Entra na minha vida
Bandida...
Mexe com minha estrutura
Que não deu pra perceber
Sara todas as feridas
Enquanto coração te desejava
Me ensina a ter Santidade
Você jurou não me amava
Quero amar somente a Ti
Só queria me envolver
Porque o Senhor é o meu bem maior
Bandida...
Faz um Milagre em mim

Essas vozes, saiba o incauto, são a interpolação do canto gospel Entra na minha casa, com a música de forró, Bandida, da Banda Capa de Revista.


Das profundezas do ontem e do amanhã: "Se entrega, Corisco!/ Eu não me entrego não/ Eu não sou passarinho/ Pra viver lá na prisão."