sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Nossa Macondo de cada dia



É improvável não falar em cansaço existindo (propositalmente não emprego o verbo “morar”, porque aqui não se “mora” – aqui, insiste-se, resiste-se, existe-se) na região metropolitana de São Paulo. Horas de deslocamento para chegar a qualquer lugar; como não existem tantos empregos assim, normalmente as pessoas se dispõem a “viajar” até um distante local de trabalho e, o que é pior, retornar até um lugarejo onde deixam suas coisas, tomam banho e dormem três ou quatro horas por noite. Esse não é o “cansaço” alphavilleano de Hebe Camargo, do Padre Antonio Maria, do advogado Urso, de Luciano Huck e toda a turma do “rolex”. Não, esse não é o “cansaço” de quem usa um relógio de 50 mil e fica “indignado” quando o primeiro moleque o leva. Estamos falando do cansaço do povo, dos que não sabem o que é mais-valia (apenas a sentem) e até se dispõem a serem (mais uma vez) ridicularizados na televisão, para terem a sua “lata velha” transformada numa “gracinha”.
Saio da faculdade na Av. Nossa Senhora do Sabará, no Jardim Marajoara – dez da noite, quinta-feira, 22 de outubro de 2009. Tomo o ônibus, permaneço em pé na parte rebaixada (descerei logo para tomar o trem, na Estação Jurubatuba). De repente, surpreendo-me com um alto ressonar; miro as pessoas sentadas na parte alta do ônibus. Identifico um homem, cerca de 40 anos, gordo, negro, simplesmente dormindo. Como um pêndulo de relógio (o senhor do tempo medido), sua cabeça oscila de um lado para outro. De boa aberta, o homem ronca (se me contassem a intensidade, custaria acreditar). As pessoas começam a olhar; esforçam-se para manterem sérias, com a típica indiferença paulistana. Mas fracassam: o homem deixa pender a cabeça para trás; o ronco é estrondoso. Risos abafados. Um casal de desconhecidos sentados na poltrona da frente se incomoda – “se ele ronca assim aqui, imagine como deve ser na casa dele...”. O riso se faz solto; a essa altura, estamos todos rindo, sem nenhuma piedade pelo cansaço do homem. “Ih, o cara ta malzão mesmo, mano!”
Desço no ponto do SP Market. As pessoas todas rindo, e o homem (sem ninguém na poltrona ao lado) dorme, apesar do balançar do ônibus por todas as curvas, apesar do fechar e abrir das portas, apesar das etiquetas (“Pô, meu, se ele soubesse o mico que tá pagando, morreria de vergonha...”). Da calçada, após ter descido, olho uma última vez e o homem continua com seus fones nos ouvidos (que música o embalaria?)... até onde? Não importam essas questões pelo quando e pelo onde... na Macondo de cada dia, são esses pequenos galhos aparentemente absurdos o que destoa e nos faz perguntar pelo vivido na correnteza lamacenta da repetição cotidiana.
O cansaço é o sintoma da modernidade. Mesmo sonâmbulos, seguimos; para onde e para o quê não sabemos. Apenas continuamos.
(São onze horas da noite, o trem da CPTM pára na Estação Jaguaré. No banco ao meu lado está um homem da mesma idade que eu, com fones de DJ nos ouvidos... o trem cheio, alguém fala do Natal, do Carnaval e ainda estamos em outubro... Um celular toca. Como José-Todos-Nós que somos, seguimos... para onde?).

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O cúmulo dos colonistas [sic] colonizados


Podemos não concordar Lula (e isso é fácil diante de várias das suas atitudes), mas negar sua inteligência (não nos reportaremos, neste instante, ao modo como ela vem sendo empregada) é afirmar-se parvo. Pois bem, há quem, como Diogo Mainardi, se dedique a publicar um livro somente para chamar Lula de "anta".


Houve quem se surpreendesse pelo fato de Lula não protestar contra o livro do demo-tucano-panfletário. Mais uma prova da inteligência do presidente: Mainardi, reiteradamente, confessa não apenas o nível da sua "inteligência", mas põe Montaigne entre os bovinos e revela o quanto é portador de uma "consciência" colonizada (razão porque não passa de um colonista, termo cunhado por Paulo Henrique Amorim).


Basta ver o desperdício de tinta e papel:


Eu tenho um profundo respeito pelos ratos venezianos. Um respeito que beira a vassalagem. Eles, por sua vez, me tratam com certa soberba. Eu entendo. Os ratos venezianos pertencem a uma estirpe nobre. O impacto que seus antepassados - rattus rattus - tiveram no desenvolvimento das artes foi incomensuravelmente maior do que o de todos nós - brasileiros brasileiros - em mais de 500 anos de história.

A igreja do Redentor é obra dos ratos venezianos. Melhor dizendo: a igreja do Redentor é obra de Andrea Palladio [...] mas só foi erguida para comemorar o fim de uma epidemia de peste, em 1576.

[...]

Michel de Montaigne passou por Veneza em 1580, quatro anos depois da epidemia que inspirou a igreja do Redentor. Ele associou a peste ao mal cheiro dos canais venezianos, ignorando o papel dos ratos no contágio. Nos Ensaios ele filosofou que filosofar é aprender a aceitar a própria morte. Nisso ninguém supera os brasileiros. Nós morreremos pacatamente, resignadamente, bovinamente, sem atribuir responsabilidades pelas epidemias, sem protestar contra o ministro da Saúde, sem jogar tomates no presidente da República. No Brasil, falta um Andrea Palladio, falta um Baldassare Longhena. Falta também Tamiflu. Por outro lado, morreremos melhor do que os outros. Morreremos como Montaigne.


MAINARDI, Diogo. A Veneza dos ratos, Veja, 05 de agosto de 2009, p. 155.

Além de "dono do mar"...


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"Era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: 'estamos sempre indo para casa'."

Ministério de Minas e Energia
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)


ALVARÁ Nº 3383 de 23/04/2007 - Autorizar pelo prazo de 02 (dois) anos, RADUAN NASSAR, a pesquisar CASCALHO, no Município de Buri, Estado de São Paulo, numa área de 50,00ha, delimitada por um polígono que tem um vértice a 755m, no rumo verdadeiro de 08°00'NE, do ponto de Coordenadas Geográficas: Lat. 23°35'45,2"S e Long. 48°30'01,1"W e os lados a partir desse vértice, com os seguintes comprimentos e rumos verdadeiros: 1.000m-N, 500m-E, 1.000m-S, 500m-W.(DNPM nº 820959/2002-0018) - (Cód. 3.22)

sábado, 18 de julho de 2009

Homens em tempos sombrios*


RepórterEstão dizendo que essa CPI [da Petrobrás] acaba em pizza temperada com pré-sal...
LulaMeu... sabe, depende... todos eles são bons pizzaiolos.

Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) – Ele vai continuar usando e abusando da sua popularidade. Ele não tem princípios. Ele é pior do que o pior dos generais que exerceram a ditadura nesse país.

Lula (em discurso em Alagoas) – Eu quero aqui fazer justiça ao comportamento do Senador [Fernando] Collor e do Senador Renan [Calheiros], que têm dado uma sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado.

Paulo Duque (Senador do PMDB-RJ, eleito Presidente da CPI da Petrobrás) – Confesso, hoje, uma admiração por todos os senadores desta Casa, sem restrição!

Lula (em discurso em Alagoas) – Quando eu deixar de ser Presidente da República, eu vou comprar um short novo, vou bronzear as canelas (porque nós lá de São Paulo, temos as canelas brancas, né, lá do sul do país), e vou lá no lugar que eu vi que as pessoas ficam no meio do mar, sentadas numa cadeira, tomando água de coco com outras coisas... (confira esta e todas as frases anteriores, em vídeo do Uol-notícias de 18.07.2009).

Emir Sader (no artigo “Os riscos da volta da direita”, em 16.07.2009) – Não subestimar a oposição. Pode ser fatal e facilitar o retorno da direita. Contam com toda a mídia, direção ideológica da direita brasileira. [...] A direita pode ganhar [a eleição de 2010] e se reapropriar do Estado. O governo Lula terá sido um parêntesis, dissonante em muitos aspectos essenciais dos governos das elites dominantes, que retornarão. Ou pode ser uma ponte para sair definitivamente do modelo neoliberal, superar as heranças negativas que sobrevivem, consolidar o que de novo o governo construiu e avançar na construção de um Brasil para todos. (Cf. Blog do Emir)

Luís Nassif (no artigo “O último suspiro de Serra”, de 18.07.2009) – Entenda melhor o que está por trás dessa escalada de CPIs, escândalos e tapiocas da mídia. A candidatura José Serra naufragou. Seus eleitores ainda não sabem, seus aliados desconfiam, Serra está quase convencido, mas naufragou. [...] O que dá para prever é que essa guerra [em torno da eleição de 2010] poderá impor perdas para o governo; mas não haverá a menor possibilidade de Serra se beneficiar. Apenas consolidará a convicção de que, com ele presidente, se terá um país conflagrado. Dependendo da CPI da Petrobras, aguarde nos próximos meses uma virada gradual da mídia e de seus aliados em direção a Aécio. (Cf. no Blog do Nassif
)

Vanessa Portugal (da executiva nacional do PSTU, em programa exibido na TV como Jornal do PSTU, em 16.07.2009) – É [as controvérsias entre governo e oposição] uma disputa entre iguais: tanto os partidos da oposição de direita e os do governo são marcados pela corrupção e governam para os ricos. É preciso unir os socialistas em uma frente, em 2010. Chamamos o PCB e o PSOL [excluído ficou o PCO] a vir construir essa unidade. Defendemos uma frente com um programa socialista contra a crise, sem receber dinheiro das empresas, e com os principais nomes de nossos partidos – Heloísa Helena do PSOL e Zé Maria do PSTU –, uma alternativa dos trabalhadores. ---- E em uma vinheta, Camila Lisboa, da Juventude do PSTU, conclui: O PSTU é diferente. É um partido que não está à venda. São 15 anos de luta com os trabalhadores, a classe operária e a juventude, em defesa do socialismo. (Cf. no Youtube
)

Reinaldo Azevedo (revista Veja, em texto de 18.07.2008) - O financiamento da campanha de Correa pelas Farc era tido em muitos círculos como lenda, como exagero. Bem, o filme fala por si mesmo. Agora leiam o que vai abaixo
[texto de Veja, de 16.03.2005]: Nos arquivos da Agência Brasileira de Inteligência em Brasília há um conjunto de documentos cujo conteúdo é explosivo. Os papéis, guardados no centro de documentação da Abin, mostram ligações das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) com militantes petistas. O principal documento nos arquivos foi datado de 25 de abril de 2002, está catalogado com o número 0095/3100 e recebeu a classificação de “secreto”. Em apenas uma folha e dividido em três parágrafos, esse documento informa que, no dia 13 de abril de 2002, um grupo de esquerdistas solidários com as Farc promoveu uma reunião político-festiva numa chácara nos arredores de Brasília. Na reunião, que teve a presença de cerca de trinta pessoas, durou mais de seis horas e acabou com um animado forró, o padre Olivério Medina, que atua como uma espécie de embaixador das Farc no Brasil, fez um anúncio pecuniário. Disse aos presentes que sua organização guerrilheira estava fazendo uma doação de 5 milhões de dólares para a campanha eleitoral de candidatos petistas de sua predileção. A notícia foi recebida com aplausos pela platéia. Faltavam então menos de seis meses para a eleição. Um agente da Abin, infiltrado na reunião, ouviu tudo, fez um informe a seus chefes, e assim chegou à Abin a primeira notícia de que as relações entre militantes esquerdistas, alguns deles petistas, e as Farc podem ter ultrapassado a mera simpatia ideológica e chegado ao pantanoso terreno financeiro. (Cf. na página de Veja
)

Immanuel Walertein (professor da Universidade de Yale, EUA, no jornal Folha de S. Paulo, de 15.03.2009) – Chegamos a um momento em que nem os capitalistas prescientes, nem seus adversários (nós), estamos tentando preservar o sistema. Estamos ambos tentando estabelecer um sistema novo, mas é claro que temos ideias muito diferentes -na verdade, radicalmente opostas- quanto à natureza de tal sistema. [...]O que queremos de Obama não é transformação social. Ele não deseja nem é capaz de nos oferecer isso. Queremos dele medidas que minimizem a dor e o sofrimento da maioria das pessoas neste momento. Isso ele pode fazer, e é com relação a isso que a aplicação de pressões sobre ele pode fazer uma diferença. [...]O que a esquerda deve fazer? Promover a clareza intelectual em relação à escolha fundamental. Então organizar-se em mil níveis e de mil maneiras para empurrar as coisas na direção certa. A primeira coisa a fazer é incentivar a descomoditização, no maior grau que conseguirmos. A segunda é fazer experimentos com toda espécie de novas estruturas que façam mais sentido, em termos de justiça global e sanidade ecológica. E a terceira coisa que precisamos fazer é incentivar o otimismo realista. A vitória está muito longe de ser certa. Mas é possível. Resumindo, então: trabalhar no curto prazo para minimizar o sofrimento, e no médio prazo para assegurar que o novo sistema que vai emergir seja um sistema melhor, e não pior. Mas fazer este último sem triunfalismo e com a consciência de que a luta será tremendamente difícil. (Cf. no Blog do Mandato do Deputado Ivan Valente - PSOL/SP
)

Creyto da Mutinga (para sua “mina”, em bar da zona norte de Osasco/SP, depois de ter andado lendo O que é isso companheiro?, de Fernando Gabeira): Qualeh, ceh tah de caoh pra cima de mim... (Cf. manifestação musical do problema)


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* O título é o mesmo do livro de Hannah Arendt, publicado em 1951 e remete ao poema "Tempos sombrios", de Bertold Brecht.

- A imagem exibida com o texto foi apropriada do Blog Dança da Solidão.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

"Me dá um dinheiro aí!" ou as tetas do BNDES



O diagnóstico de Marx e Engels, feito em 1848 (e desenvolvido n’O Capital), permanece renitentemente atual – Um governo moderno é tão-somente um comitê que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa (1). Os puristas vão dizer que Marx e Engels se referiam ao Estado nascente, que não há mais pertinência em falarmos em “classe social” (apesar de todos os mainardes e reinaldazavedos arrotarem um naturalizado escalonamento que preenche as primeiras cinco letras do alfabeto). Interessa-me tratar de algo banal e que, no entanto, mostra como o aparato estatal (sob o império da economia e do direito) atua (melhor dizendo, milita), utilizando as esferas públicas para a defesa de interesses privados, isto é restritos aos “donos do poder”.
Não podem ter os brasileiros se esquecido de que o imparcial e técnico (defensor irascível de algo que denomina “Estado de Direito” sem explicitar o conteúdo) presidente da máxima corte do Judiciário brasileiro chamou para si a mídia a fim de estabelecer uma cruzada em defesa do “Estado de Direito”, cujo conteúdo acabou sendo por ele explicitado em uma só frase: “É fundamental que não haja invasão da propriedade privada ou pública, e a Justiça tem meios e modos para dar uma resposta serena, mas firme, ao que está ocorrendo.”
Na ocasião, o presidente do Supremo Tribunal Federal se prestava a condenar o MST (e quaisquer outros movimentos sociais) que, segundo ele, seria financiado com dinheiro público, representando esse suposto subsídio em ilicitude praticada pelo próprio Governo. Embora a revista Carta Capital tenha mostrado evidências de negócios – incompatíveis com a função – levados adiante pelo próprio ministro Gilmar Mendes, suas palavras adquiriram força e foram prontamente apoiadas pelos presidentes da Câmara dos Deputados (Michel Temer) e do Senado Federal (José Sarney),além de outros “representantes do povo”, radicados em Brasília às custas do dinheiro público.
A lógica intrínseca da divisão entre público e privado nos levará à constatação singela de que o público não é senão a outra face do privado; bem como, o Estado (e o seu direito) não é mais do que a manutenção de uma determinada “ordem” estabelecida (a “paz social” aclamada por Gilmar Mendes na condenação ao MST).
Logo após a condenação do Presidente do STF (“A lei é muito clara. Não pode haver dinheiro público para subsidiar tais movimentos, que agem contra o Estado de direito. Dinheiro público para subsidiar ilicitude é ilicitude.” – cf. aqui) de que dinheiro público (dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Social – BNDES) não pode ser utilizado para financiar grupos que “atentam contra o Estado de Direito”, chamou a atenção a demanda por uma linha de crédito perante o BNDES. As universidades privadas – que desde 2007 tem procedido à abertura de capital na Bolsa de Valores –, invocando perdas decorrentes da “crise financeira mundial”, pleiteavam “uma linha especial de financiamento, com recursos públicos, para a área” (confira). A esse respeito (ainda que evidente a adesão das universidades às tramas especulativas da bolsa de valores), nem os presidentes do STF nem do Congresso disseram nada. A utilização de dinheiro público para financiar grupos que prestam “relevantes” serviços de interesse público, com a Globo, não é desconhecida.
Esta semana, o BNDES destinou 1,5 bilhão de reais à Gerdau, para “modernização e ampliação” (nos termos d’O Estado de São Paulo) das suas atividades de siderurgia, representando (novamente nos termos d’O Estado) “apoio do BNDES aos investimentos [da Gerdau]”. A Gerdau também tem capital aberto na bolsa de valores e constitui um dos mais ricos grupos econômicos brasileiros, responsáveis por, dentre outras, iniciativas, financiar campanhas políticas. Novamente, os presidentes do STF, do Senado e da Câmara disseram nada. Pressupõe-se que, nesses casos, a utilização do dinheiro público é legítima e legal.
Os argumentos para esse silêncio são simples – os grandes grupos empregam muitas pessoas (não discutamos os salários), representam importante giro econômico, daí porque ser importante subsidiá-los. Já grupos de trabalhadores sem-terra, além de hipoteticamente não serem economicamente produtivos ou sê-lo de modo parco, seriam aqueles cujas ações seriam atentatórias ao “Estado de Direito”.
Ora, que impacto teria a ação dos movimentos sociais (que, segundo o Min. Gilmar, tem “toda a liberdade para agir, manifestar, protestar, mas respeitando sempre o direito de outrem.”) se estes atuassem dentro da legalidade? Se essa legalidade é expressão da manutenção da “paz social” (querida pelo ministro), como repartir a terra, por exemplo, sem contestar a lei? E ainda mais: se a lei estivesse efetivamente sendo observada, o mínimo a ser cumprido seria o direito fundamental à propriedade e à sua função social (procedimentos estes todos compreendidos dentro lógica do público e do privado). Mais que isso: como possibilitar que os sem-terra se insiram na cadeia produtiva se não contarem com financiamento?
Obviamente, o ministro do STF dirá que não se opõe ao financiamento da pequena propriedade rural, mas que os grupos que a reivindicam tem se dedicado à ilegalidade, o que impossibilita que sejam subsidiados. Só para lembrar – somente em 2008, segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), as empresas brasileiras sonegaram cerca de 200 bilhões de reais, o que corresponde a quase 10% do PIB. E então, será que a ilegalidade é atributo exclusivo dos movimentos sociais? Se o presidente do STF estivesse mesmo preocupado com a destinação dos recursos públicos administrados pelo BNDES, não teria de questionar as subvenções dadas a grandes grupos econômicos que se guiam pela especulação de capital na bolsa de valores?
Como já haviam compreendido Marx e Engels há 150 anos, o que há de “comum” nos aparatos do Estado é apenas a defesa dos interesses daqueles que detém o monopólio dos meios de produção. A construção das constituições, a criação de leis e sua aplicação, a organização das instituições políticas não se fazem fora de um modo de produção e sua historicidade. Atualmente, porém, ficam todos (sob pena de redução à mais solene incompetência!) proibidos de tentar compreender esses elementos todos segundo a noção de ideologia.

(1). MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. (Trad. Sueli Tomazini B. Cassal). Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 26.

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Aliás, é pertinente publicar aqui a representação que o jornalista Paulo Henrique Amorim encaminhou ao Ministério Público Federal, demandando investigação da atuação de alguns grandes grupos econômicos:




São Paulo, 12 de junho, 2008



Eu, Paulo Henrique Amorim, cidadão brasileiro, … entro com essa REPRESENTAÇÃO no Ministério Público Federal – São Paulo, por suspeita de MALVERSAÇÃO DE FUNDOS PÚBLICOS e de PREVARICAÇÃO contra o Ministro da Fazenda, contra os diretores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), contra o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e os diretores do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Anatel para que se promova a CESSAÇÃO DA CONDUTA, a APLICAÇÃO DAS MULTAS cabíveis, e a abertura de AÇÃO CÍVEL PÚBLICA .
I) Notícia que resume os motivos a sustentar essa REPRESENTAÇÃO:
O que é a “BrOi” ?Daniel Dantas e os empresários Carlos Jereissati e Sergio Andrade – donos da Telemar/Oi – acharam um jeito de tomar dinheiro dos trouxas – o maior deles é o BNDES, subordinado ao Ministro do Desenvolvimento – e comprar a Brasil Telecom.Com isso, vão ficar com o monopólio (70%) da telefonia fixa do Brasil, fora São Paulo, que é explorado pela Telefónica.Depois de manipular as ações na Bolsa com notícias falsas sobre a criação da empresa, e antes que a regulamentação – porque o Plano Geral de Outorgas não permite a criação da “BrOi” -, Dantas conseguiu:1) Que os fundos de pensão que controlavam a Brasil Telecom – Previ (dos trabalhadores do banco do Brasil), Petros (dos trabalhadores da Petrobrás) e Funcef (dos trabalhadores da Caixa Econômica) – retirassem da Justiça as ações que moveram contra Dantas por “gestão temerária”;2) Que o Citibank, sócio da Brasil Telecom, retirasse da Justiça de Nova York as ações que movia contra Dantas por “gestão temerária”.3) Que a própria Brasil Telecom retirasse as ações que tinha com o Opportuniy;4) Que o BNDES se comprometesse a dar a Jereissati e a Andrade a grana para que os dois comprassem – sem botar um tusta do próprio bolso – a Brasil Telecom; comprassem a parte dos outros sócios na “Telemar/Oi”; e pagassem um cala-a-boca a Dantas, para que ele saísse de fininho da Brasil da Telecom e da Oi – onde ainda tinha participação minoritária. Dantas receberá um cala-a-boca de R$ 1 bilhão, coisa pouca… Parte virá da Brasil Telecom, parte da Telemar/Oi. Ou melhor, virá TUDO do BNDES.Convém lembrar, nessa notícia, que um filho do Presidente da República é sócio da Telemar/Oi numa empresa chamada “Gamecorp”. Ela produz conteúdo para celulares da Oi, jogos, e recentemente entrou no ramo de televisão, com a TV Bandeirantes.Paulo Henrique Amorim se candidatou a comprar a Brasil Telecom, através de sua empresa PHA Comunicação S/C Ltda, CNPJ 01681373/0001/-38, nas seguintes condições: a PHA daria R$ 1 a mais do que dessem os empresários Carlos Jereissati e Sergio Andrade, DO PRÓPRIO BOLSO.
O BNDES ignorou a proposta.Um presidente de fundo disse ao respeitado jornalista Rubens Glasberg que fez acordo com Dantas como, na favela, se faz acordo com o chefe do tráfico para poder viver em paz.O BNDES é suspeito de praticar malversação de fundos públicos, uma vez que o BNDES é o único que vai entrar com dinheiro nessa história.Quando o BNDES explica a operação, diz que não vai dar dinheiro para que os sócios da Telemar/Oi comprem a Brasil Telecom. Mas, sim, usar dinheiro que já existia no caixa do BNDES para promover a “recomposição acionária” dentro da Telemar/Oi.Promover a “recomposição acionária” significa dar dinheiro.O dinheiro do BNDES vem do Tesouro Nacional e do FAT, dinheiro dos trabalhadores brasileiros.Como não há “geração espontânea” de dinheiro, é do Tesouro Nacional e do FAT que Carlos Jereissati, Sergio Andrade e Daniel Dantas receberão o dinheiro.O BNDES justifica a criação da “BrOi” com o argumento de que é preciso criar uma super-tele de capital nacional, para enfrentar os estrangeiros e competir no mercado internacional.Quem disse que a Brasil Telecom e a Telemar/Oi não podem enfrentar os estrangeiros ?Qual é o problema “enfrentar os estrangeiros” ?(Veja anexas as 52 perguntas que Rubens Glasberg fez sobre a “BrOi”.)Por que as duas empresas não criam uma subsidiária com o fim precípuo de competir no mercado internacional. – e só lá ?Com o dinheiro do BNDES – quer dizer, do Tesouro Nacional e do FAT – , a Telemar/Oi vai pagar um “cala-a-boca” a Daniel Dantas, embora a Telemar/Oi não seja parte de nenhuma pendência judicial com Dantas.Por que o BNDES vai ajudar a “recompor” das finanças de Daniel Dantas, via Telemar/Oi ?Qual a lógica disso ?Como explicar isso ao Tribunal de Contas da União ?
Malversação de fundos públicos é do que se pode acusar, também, o Banco do Brasil, que é sócio da Telemar/Oi.
Prevaricação é o crime da Comissão de Valores Mobiliários, subordinada ao Ministro da Fazenda, e da Anatel.A Anatel vai modificar a Plano Geral de Outorgas – PGO – apenas para criar a “BrOi”.Muda-se a lei “sob encomenda”, para que dois empresários tenham o monopólio da telefonia fixa do país !!! Sem entrar com um tusta !!!A Comissão de Valores Mobiliários calou-se diante dos seguintes fatos:1) Da manipulação das ações da Brasil Telecom e da Telemar/Oi na Bolsa com as notícias que os empresários e Daniel Dantas plantavam na mídia.Primeiro, os empresários e seus empregados negavam a operação da “BrOi”.Depois, as empresas diziam que os acionistas é que tinham que falar.Os acionistas negavam a operação.E a CVM não dizia um “ai”.2) A CVM se calou também diante da óbvia operação “Zé com Zé” que houve entre a Brasil Telecom, os fundos Previ, Petros e Funcef, o fundo AG Angra e Sergio Andrade.A operação funcionou assim:
Os fundos de pensão – Previ, Petros e Funcef – mandaram Daniel Dantas embora da Brasil Telecom e colocaram no lugar um dos sócios do fundo Angra, o Sr. Ricardo K.
O Angra, na Brasil Telecom, defende os interesses dos fundos de pensão.
Acontece que o Angra tem um fundo – o “AG Angra” – em sociedade com a “AG” – Andrade Gutierrez.
O dinheiro do “AG Angra” vem dos fundos de pensão, que são os donos da Brasil Telecom.
A Andrade Gutierrez não botou um tusta no AG Angra.
Tenho informação – a confirmar – que a remuneração pela gestão (“management fee”) que os fundos pagam ao AG Angra é de R$ 1 milhão por mês.
R$ 1 milhão por mês ? Por que ? Se o AG Angra, aparentemente, ainda não aplicou em nenhum investimento em infra-estrutura.
Gerir o quê ?
Esquisito.
O Angra está na Brasil Telecom, e no AG Angra.
Os fundos estão na Brasil Telecom, no AG Angra, e vão ser sócios de Sergio Andrade na “BrOi”.
O Angra tem que defender os fundos na Brasil Telecom.
O Angra tem que defender a Andrade Gutierrez no AG Angra.
O Angra tem que vender a Brasil Telecom por um bom preço, para os fundos ficarem felizes.
E tem que vender a Brasil Telecom à Telemar/Oi por um preço baixo, para o Sergio Andrade ficar feliz.
E tem que vender por qualquer preço – e rápido – para os sócios do Sr. K no Angra ficarem felizes.
Porque, depois da “BrOi”, o sr. K voltará ao Angra.
Isso configura “conflito de interesse” ou um gigantesco “encontro bem remunerado de interesses”.
Como se diz na Bolsa, é um “Zé com Zé”.
E todos os “Zé” saem bem dessa: o Angra, o Sr. K, o Sr. Andrade, e os fundos.
Quem sai bem mesmo é Daniel Dantas, que recebe um cala-a-boca de quase US$ 1 bilhão para sair da Telemar e da BrT e não processar mais ninguém.
E quem perde com isso ?
O BNDES, que entra com o dinheiro – e mais ninguém.
Perdem os fundos, porque o dinheiro deles – dos trabalhadores do Banco do Brasil, da Petrobrás e da Caixa Econômica – é administrado por “administradores” que pensam, antes, no bolso deles (“administradores”).
Perdem os fundos, porque o dinheiro deles é administrado por gente que tem “conflitos de interesse”.
Qual conflito de interesse ?
. O conflito entre os interesses dos fundos e os interesses dos “administradores”, como o Sr K.
“Administradores”, como foi, no passado, Daniel Dantas.
. Quem perde também – e acima de tudo – é o consumidor, porque a “BrOi” ficará com 70% do mercado de telefonia fixa do país.
E o que a CVM fez diante desse “Zé com Zé”, em que o Tesouro Nacional, o FAT e o consumidor é que pagam o pato ?
Nada.
5) A CVM não interpelou a Telemar/Oi para saber por que vai pagar um “cala-a-boca” a Daniel Dantas por conta da suspensão de pendências judiciais, se a Telemar/Oi não é parte dessas ações ?
A Telemar/Oi é uma empresa de capital aberto e os acionistas minoritários deveriam saber por que pagar por um acordo que não lhes diz respeito ?
6) A CVM não deu seqüência às representações de “gestão temerária” que a Brasil Telecom fez contra Daniel Dantas, quando gestor da Brasil Telecom.
Por acaso a CVM também fez um acordo de “apagar a pedra” com os processos judiciais que corriam contra Dantas ?
II) Seguem anexos os seguintes documentos:
1) Comunicado conjunto das empresas Brasil Telecom e Telemar/Oi sobre como será a operação;
2) Noticia da Assembléia de acionistas da Brasil Telecom que faz cessar as ações contra Daniel Dantas na Justiça;
3) Comunicados das empresas Brasil Telecom e Telemar/Oi à CVM que tratam da “recomposição acionária” da Telemar/Oi e não explicam de onde vem o dinheiro da “recomposição acionária” e como vão pagar o cala-a-boca de Daniel Dantas;
4) Editorial “O Silêncio Ensurdecedor”, de autoria de Rubens Glasberg, na Teletime News;
5) As 52 perguntas que Glasberg formulou sobre a “BrOi” e que jamais mereceram resposta de qualquer dos envolvidos na operação.
6) Resumo das ações da Brasil Telecom contra Daniel Dantas na CVM;
7) Resumo das ações da Brasil Telecom contra Daniel Dantas na Corte de Nova York;
8- Resumo das ações do Citibank contra Daniel Dantas na Corte de Nova York.


Atenciosamente, o cidadão desta pobre República,



Paulo Henrique Amorim


terça-feira, 7 de julho de 2009

Univisa e Unimastercard: licenciatura em dez parcelas


06 de julho de 2009, zona sul de São Paulo. Na fila da tesouraria de uma universidade privada, o "cliente" (aluno) se dirige ao balcão.

- Negociei a minha dívida com a faculdade e...

- São esses dois cheques aqui... - diz a atendente.

- Sim, mas eu quero lhe perguntar uma coisa - interrompe o jovem -: é possível fazer o pagamento da dívida com cartão de crédito? Parcelar no cartão de crédito?

sábado, 4 de julho de 2009

O alcoviteiro universal: "chame a polícia!"


"Em 1919, em um de seus famosos e divertidos happenings, os dadaístas berlinenses promoveram uma corrida pública entre uma máquina de escrever e uma máquina de costura. Enquanto Raoul Hausmann costurava uma fita de crepe interminável, Richard Huelsenbeck datilografava desesperadamente folha após folha um texto incompreensível. Finda a corrida, o júri deu a vitória à máquina de costura, provocando o protesto de Huelsenbeck, que atirou sua máquina ao chão.

O aparente nonsense do happening dadaísta ilustra um aspecto pouco considerado da comunicação humana: a escrita e o tempo criado por ela, inauguradores não apenas de toda uma importante era da palavra visual, mas também instrumentos da conquista de um tempo lento."


BAITELLO JUNIOR, Norval. O tempo lento e o espaço nulo. Mídia primária, secundária e terciária. (p. 04)
Disponível na pàgina virtual da FAPESP; acesso realizado em 04.06.2009.


Assistindo a um dos nenhum pouco recomendáveis telejornais brasileiros (o SPTV - 2ª edição), deparei-me com uma "notícia" que, instantaneamente, remeteu-me à corrida dadaísta de 1919, entre uma máquina de escrever e uma máquina de costura. Não tanto pela questão estético-literária (de resto inexistente na "notícia" do telejornal), mas sim pelo happening involuntário que os assaltantes do caixa eletrônico de um banco (posto em um supermercado) protagonizaram no limiar entre a noite passada e o dia de hoje.

Segundo o telejornal, quinze homens (imagine a proporção da mobilização) se dedicaram a render, durante a madrugada passada, na zona sul de São Paulo, os guardas e colocar o caixa eletrônico (um monstro metálico de cerca de 300 quilos) dentro de um furgão. Ao sair em alta velocidade e passar por uma lombada de uma pacata rua de Cidade Dutra, o caixa eletrônico caiu do carro. Os assaltantes fugiram e deixaram o caixa do Banco do Brasil tombado no meio da rua.

Além do barulho que teria causado grande susto e acordado moradores da rua, o mais inusitado (e daí o happening involuntário, de sentidos dadaístas) era uma sirene de alarme e uma voz masculina grave pronunciando uma mensagem grave:

"- Atenção! Esta máquina está sendo roubada! Por favor, chame a polícia!"

Uma senhora disse à reportagem:"Nunca vi um [caixa eletrônico] assim na rua, só vejo no banco..."

Literalmente, os moradores daquela rua souberam (acordando assustados) o que é bank home - jargão publicitário de vários bancos. Receberam o banco na porta de casa. Quantos, necessitados de um dinheirinho, não terão se frustrado ao ver que do monstrengo metálico nenhuma cédula, nenhuma pataca caíra, nada; pior que isso, a mensagem defensora da propriedade, "chame a polícia!" Os próprios assaltantes (depois do esforço de uma população de quinze homens) - apuraria a perícia - não levaram nada, pataca alguma.

Esta semana, indo até a agência do banco que tem os maiores lucros da América Latina, fui barrado sucessivas vezes, depois de ter tirado chaves, caneta, tudo. Iria encontrar minha companheira, que estava nos intestinos daquele monstro, filiando-se às suas "facilidades" para receber um suado salariozinho. Depois que eu saíra dali emputecido, ela me diria: "[...] mas é que eles foram assaltados hoje..." E eu: "é sorte deles que eu nada saiba de explosivos."

Os moradores da pacata rua da zona sul da cidade, ao ver o aviltante dinheiro do banco, vestido de carapaça metálica, diante das suas casas, certamente terão tido o desejo do saque sem culpa, a vingança gostosa de diminuir o pernicioso lucro bancário (isso que é mínimo, já que "diminuir lucros" nada afeta; alguma providência drástica teria de levá-los ao prejuízo). Não o saque com senhas e administrado por letras e datas de nascimento, mas o saque filho de "saquear", sem limites e sem taxas de juros.

O estrondo do caixa eltrônico no meio da rua e sua sirene com a mensagem de voz (que terá causado dor de cabeça a muitos moradores) bem mereceriam um Bertold Brecht caminhando por ali, para propor uma pergunta estranha aos telejornais e ao ramerrão das ocorrências policiais: "O que é roubar um banco em comparação com fundar um banco?"




quinta-feira, 25 de junho de 2009

Escuta a hora espandongada


Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.

É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário.

E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.


Bertold Brecht - "Privatizado"
*** O título da postagem é do poema "Nosso tempo", de Carlos Drummond de Andrade.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

A nova ministra da educação


A nova estratégia de vendas de revistas da Editora Abril é um ensaio da revista Playboy com a funkeira Valesca dos Santos (conhecida como "Valesca Popozuda"). Numa das fotos, a cantora de funk posou nua sobre um pôster de Lula; em outra, sobre a bandeira brasileira, cobrindo com a bunda a inscrição "ordem e progresso".

Esse "ultraje" dos símbolos nacionais e da figura do Presidente da República foi "noticiado" (sim, até isso é tido como notícia!) pelo impoluto jornal O Dia, do Rio de Janeiro, e projetado nacionalmente pela Folha de S. Paulo, cuja "imparcialidade jornalística" (já que eles ainda falam nisso) está ao nível de Leão Lobo. A "matéria" da Folha, inocentemente, começa seu enredo se referindo àquilo "que [Valesca] chama de amizade com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva". Leão Lobo que se cuide.

Mas, o mais interessante é a frase debochada que, segundo a Folha (e isso não nos dá garantia alguma), Valesca teria dito: "Quem sabe algum dia viro ministra da educação?"

Não duvido mesmo, de jeito nenhum. Dada a "mentalidade diarréica" (para lembrar a atualidade dos termos empregados por Hélio Oiticica no já longínquo e tão ontem-mesmo 1970) que reina entre nós - essa posição conformista do que Oiticica nomeava "convi-conivência" -, e sabendo que a bunda (difundida, imputada pelos argumentos dos "turistas" como o fetiche sexual brasileiro por excelência, e índice da "consciência" nacional) não é apenas fetiche sexual, mas também e desde sempre a via própria por onde saem os escrementos, não duvidemos das possibilidades dessa ministrável.
Caso a bazófia prospere (já que as "consciências" se deitam ao lema de "país da piada pronta"), deixemos algumas indicações à funkeira: a) inicie a carreira em São Paulo (onde há políticos de semelhante figura, tais como Aurélio Miguel, Agnaldo Timóteo [carioca-paulista], Soninha, Celso Russomano, Frank Aguiar [piauiense-paulista], Clodovil, etc.); b) filie-se a um desses partidos de "extrema-esquerda", como o Prona [Partido da Reedificação da Ordem Nacional - já que a bunda cobriu a ordem e o progresso], Partido Progressista [pois é... é o preço de cobrir o progresso com a bunda], Partido da República, etc.; c) critique o Kassab, o Serra e toda essa "corja" e depois assuma uma sub-prefeitura paulistana; d) deixe o resto com os eleitores e as indicações de ministério.
Se a "popozuda" não chegar a um dos ministérios de Brasília, poderá, sem mistério, atingir qualquer ministério religioso nessas adjacências de incriados.

sábado, 13 de junho de 2009

A contribuição milionária de todos os erros


Menino vende dvd's pirateados em feira de rua. O pai está por perto, mas o menino é muito melhor informado sobre os filmes que ele.

Um homem se aproxima:

- Cê tem esse em português?

- Esse aí já tá em português. - reposnde o menino.

- Outro dia levei um que não era em português... fui "ponhá", mas não era em português...
E Oswald de Andrade:
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

sábado, 6 de junho de 2009

Rachaduras



Mulher com problema no trem:


- Com esse frio, a gente fica com as bocas "tudo" rachadas...


Às vezes, um plural revela mais do que se quer dizer.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O melhor amigo do cão


13 de maio de 2009, onze e meia da noite, plataforma de ônibus no Largo de Osasco, Grande São Paulo. No ponto de ônibus dos bairros Jardim Santa Fé, Munhoz Junior e Pirituba, apenas três pessoas, além deste cronista, esperam o ônibus; duas senhora sentadas e uma senhora em pé, ao meu lado. Todos estávamos em silêncio. O ônibus que eu tomara até o trem - antes de chegar ali -, havia se atrasado, o que me deixou no limite, ao ponto de pegar o último ou penúltimo ônibus (em Osasco) para casa.

A senhora em pé ao meu lado, olhava um cachorro que se coçava, deitado ao pé de uma pilastra. Era uma senhora de cinqüenta e poucos anos, óculos de aro de massa preta, cabelos grisalhos soltos, brincos grandes, de blusa e saia longa, com uma sacola plástica à mão; em tudo simples, sem qualquer luxo.

De repente, do silêncio tedioso da nossa espera do ônibus, a senhora (que ainda observava interessada o cachorro), dirigindo-se a mim, disse:

- Pobre cãozinho... coitado, deve estar com fome...

Como eu nada disesse, a senhora emendou:

- Pior que a essa hora está tudo fechado... se ao menos tivesse onde comprar um pouco de ração para dar a ele...

Eu estava cansado, olhos ardendo do sono atrasado (não sou tão resistente quanto as pessoas com as quais converso e vejo que se contentam em dormir três ou quatro horas por noite), ansioso por chegar em casa. Quando ouvi aquela senhora, àquela hora, cogitar em comprar ração para um vira-latas, fiquei pensando se diria algo, se desdobraria aquilo em questões, se pronunciaria umas frases de efeito moral... mas, por preguiça, desencanto,conivência ou desânimo, continuei calado. Até que ela, sempre olhando o cão, disse novamente:

- Sabe que eu tenho mais pena de um cachorro assim, abandonado na rua, do que de uma pessoa? Ao menos uma pessoa, quando chega a essa ponto, é porque deixou chegar... agora o bichinho, coitado, não sabe de nada, não tem culpa. A pessoa, quando chega a viver na rua, acostuma, não sai mais...

Como um "presunto" (o cadáver) sobre o qual são desfechados golpes sucessivos, mantive-me apenas olhando para a senhora, em busca de assentimento às suas supostas razões (eu diria provocações). Minha recusa/indiferença em estabelecer vínculos de comunicação não impediram que a senhora continuasse olhando o cão, que, de repente, se voltou para ela.

- Olhe só... ele tem até olhos claros...

Olhei a cara do cachorro. Era um cachorro magro e feio; pêlo descuidado e com aparente sarna, pois coçava-se ininterruptamente.

O ônibus demorava. Outras pessoas (não muitas) chegaram ao ponto de ônibus; a senhora se mantivera ao meu lado. De repente, sem que eu esperasse (e parece algo fantástico que isso tenha ocorrido), logo após um dos meus inúmeros bocejos, apenas vi quando de entre as pessoas surgiu, caminhando oscilante, um homem negro, de barbas e cabelos volumosos, face marcada, todo sujo e maltrapilho, possivelmente um morador de rua. As pessoas abriam caminho para ele passar; como ele apontar em nossa direção, a senhora esquivou-se, com olhar ríspido; olhou-me e acompanhou com os olhos o homem que passava.

O ônibus chegou. Embarquei. Não era o ônibus da senhora; no ponto de ônibus, só (todos os outros embarcaram), ela olhava novamente o cachorro vira-latas, ao pé da pilastra.

Saindo dali, o ônibus contornou e passou sob uma ponte onde existe uma reprodução grande de Dom Quixote, Sancho Pança e um moinho (cena que contemplo todas as noites, quando retorno). Segui pensando sobre a preferência (e a piedade cristã) daquela senhora pelos animais, em detrimento dos humanos. O ônibus percorria uma extensa e curvilínea ponte sobre o braço morto do Tietê. Na ponte paralela, pude ver dois carros de polícia e uma ambulância parados, além de dois carros parcialment destroçados; o trânsito parcialmente desviado e feridos sendo atendidos no asfalto, ao lado da ambulância. Prováveis "presuntos", como cães famintos, desprovidos de qualquer racionalidade ou pulsação humana que fosse além da forma corporal.

O ônibus seguiu pelos últimos minutos dessa controversa data 13 de maio. Segui tentando pensar, fragmentos misturados à reprodução de Dom Quixote.

Desci no ponto próximo de casa. Caminhei pela rua semi-escura e deserta, já sem movimento, com as chaves na mão. Abri o portão, entrei em casa. A televisão ligada, o ambiente calmo, as pessoas no sofá. No canto, Teleco (o gato ganhado por minha companheira, ao qual sugeri ironicamente esse nome, por alusão ao conto de Murilo Rubião) e Lara (a gata de nome italiano, herdada do nosso vizinho eremita, morto há meses) se dedicavam cada qual às suas fartas vasilhas de ração.


OBS.: para ouvir um trecho do conto Teleco, o coelhinho, de Murilo Rubião, acesse http://www.youtube.com/watch?v=H4dulfDRV70, publicado em 1965.




sábado, 9 de maio de 2009

Os bigodes de Marxiavel


Noite de quinta-feira, 23 de abril de 2009. Buteção nas imediações do Lago das Rosas, Setor Aeroporto, em Goiânia.

Já depois das 22 h, apenas três homens sentados a uma mesa (repleta de cascos de cerveja embaixo), tomam cerveja e conversam animadamente:
- Você sabe quantas vezes Sarney trocou de partido?!

- Eu, não...

- Eu também não... mas foram muitas...
Após um silêncio reflexivo:
- Você sabe qual é o livro de cabeceira do Sarney?

- Não...

- É O príncipe, de Maquiavel.
O terceiro, que se mantivera calado, apenas observando, se manifesta:

- Não, não é "O príncipe de Maquiavel"... não é assim!... é "Ma-qui-a-vel- vírgula-o-príncipe"! Não é "oprícipedemaquiavel"...
Sob um silêncio imposto pela máxima de autoridade, os três entornam os copos. Em seguida, o que não sabia qual o livro de cabeceira de Sarney, diz:
- Tem aquele outro cara... como é mesmo o nome dele...
Após breve silêncio de reflexão:

- Karl Marx! Isso, Karl Marx! Esse cara disse muito da gente!... E ainda tem aquele assessor dele...

- Assessor?

- É... eu não consigo me lembrar o nome dele... mas também era um cara bão.


segunda-feira, 6 de abril de 2009

Máquina de moer gente


Em relação à postagem anterior, por medida de justiça, reproduzimos carta de Antônio Roberto Espinosa (principal fonte da "reportagem" de 0ntem, 05.04, na Folha de S. Paulo), enviada por Urariano Mota ao blog Conversa Afiada (http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/?p=8604):


Caros amigos,


A Folha de São Paulo preparou uma “armadilha” para a Dilma usando uma entrevista que concedi a uma das suas repóteres da sucursal de Brasília. Encaminhei a carta abaixo à redação. E peço que todos os amigos que a façam chegar a quem acharem necessário: redações de jornais, revistas, emissoras de TV e pessoas que talvez possam ser afetadas ou se sintam indignadas pela má fé dos editores do jornal. Como sabem, sou favorável à transparência, por achar que a verdade é sempre o melhor caminho e, no fundo, revolucionária.


À coluna painel do leitor


Seguem cópias para o Ombudsman e para a redação. Vou enviar cópias também a toda a imprensa nacional. Peço que esta carta seja publicada na próxima edição. Segue abaixo:
Prezados senhores,
Chocado com a matéria publicada na edição de hoje (domingo, 5), páginas A8 a A10 deste jornal, a partir da chamada de capa “Grupo de Dilma planejou seqüestro de Delfim Neto”, e da repercussão da mesma nos blogs de vários de seus articulistas e no jornal Agora, do mesmo grupo, solicito a publicação desta carta na íntegra, sem edições ou cortes, na edição de amanhã, segunda-feira, 6 de abril, no “Painel do Leitor” (ou em espaço equivalente e com chamada de capa), para o restabelecimento da verdade, e sem prejuízo de outras medidas que vier a tomar. Esclareço preliminarmente que:
1) Não conheço pessoalmente a repórter Fernanda Odilla, pois fui entrevistado por ela somente por telefone. A propósito, estranho que um jornal do porte da Folha publique matérias dessa relevância com base somente em “investigações” telefônicas;
2) Nossa primeira conversa durou cerca de 3 horas e espero que tenha sido gravada. Desafio o jornal a publicar a entrevista na íntegra, para que o leitor a compare com o conteúdo da matéria editada. Esclareço que concedi a entrevista porque defendo a transparência e a clareza histórica, inclusive com a abertura dos arquivos da ditadura. Já concedi dezenas de entrevistas semelhantes a historiadores, jornalistas, estudantes e simples curiosos, e estou sempre disponível a todos os interessados;
3) Quem informou à Folha que o Superior Tribunal Militar (STM) guarda um precioso arquivo dos tempos da ditadura fui eu. A repórter, porém, não conseguiu acessar o arquivo, recorrendo novamente a mim, para que lhe fornecesse autorização pessoal por escrito, para investigar fatos relativos à minha participação na luta armada, não da ministra Dilma Rousseff. Posteriormente, por e-mail, fui novamente procurado pela repórter, que me enviou o croquis do trajeto para o sítio Gramadão, em Jundiaí, supostamente apreendido no aparelho em que eu residia, no bairro do Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. Ela indagou se eu reconhecia o desenho como parte do levantamento para o seqüestro do então ministro da Fazenda Delfim Neto. Na oportunidade disse-lhe que era a primeira vez que via o croquis e, como jornalista que também sou, lhe sugeri que mostrasse o desenho ao próprio Delfim (co-signatário do Ato Institucional número 5, principal quadro civil do governo ditatorial e cúmplice das ilegalidades, assassinatos e torturas).
Afirmo publicamente que os editores da Folha transformaram um não-fato de 40 anos atrás (o seqüestro que não houve de Delfim) num factóide do presente (iniciando uma forma sórdida de anticampanha contra a Ministra). A direção do jornal (ou a sua repórter, pouco importa) tomou como provas conclusivas somente o suposto croquis e a distorção grosseria de uma longa entrevista que concedi sobre a história da VAR-Palmares. Ou seja, praticou o pior tipo de jornalismo sensacionalista, algo que envergonha a profissão que também exerço há mais de 35 anos, entre os quais por dois meses na Última Hora, sob a direção de Samuel Wayner (demitido que fui pela intolerância do falecido Octávio Frias a pessoas com um passado político de lutas democráticas). A respeito da natureza tendenciosa da edição da referida matéria faço questão de esclarecer:
1) A VAR-Palmares não era o “grupo da Dilma”, mas uma organização política de resistência à infame ditadura que se alastrava sobre nosso país, que só era branda para os que se beneficiavam dela. Em virtude de sua defesa da democracia, da igualdade social e do socialismo, teve dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do regime, como Chael Charles Shreier, Yara Iavelberg, Carlos Roberto Zanirato, João Domingues da Silva, Fernando Ruivo e Carlos Alberto Soares de Freitas. O mais importante, hoje, não é saber se a estratégia e as táticas da organização estavam corretas ou não, mas que ela integrava a ampla resistência contra um regime ilegítimo, instaurado pela força bruta de um golpe militar;
2) Dilma Rousseff era militante da VAR-Palmares, sim, como é de conhecimento público, mas sempre teve uma militância somente política, ou seja, jamais participou de ações ou do planejamento de ações militares. O responsável nacional pelo setor militar da organização naquele período era eu, Antonio Roberto Espinosa. E assumo a responsabilidade moral e política por nossas iniciativas, denunciando como sórdidas as insinuações contra Dilma;
3) Dilma sequer teria como conhecer a idéia da ação, a menos que fosse informada por mim, o que, se ocorreu, foi para o conjunto do Comando Nacional e em termos rápidos e vagos. Isto porque a VAR-Palmares era uma organização clandestina e se preocupava com a segurança de seus quadros e planos, sem contar que “informação política” é algo completamente distinto de “informação factual”. Jamais eu diria a qualquer pessoa, mesmo do comando nacional, algo tão ingênuo, inútil e contraproducente como “vamos seqüestrar o Delfim, você concorda?”. O que disse à repórter é que informei politicamente ao nacional, que ficava no Rio de Janeiro, que o Regional de São Paulo estava fazendo um levantamento de um quadro importante do governo, talvez para seqüestro e resgate de companheiros então em precárias condições de saúde e em risco de morte pelas torturados sofridas. A esse propósito, convém lembrar que o próprio companheiro Carlos Marighela, comandante nacional da ALN, não ficou sabendo do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Por que, então, a Dilma deveria ser informada da ação contra o Delfim? É perfeitamente compreensível que ela não tivesse essa informação e totalmente crível que o próprio Carlos Araújo, seu então companheiro, diga hoje não se lembrar de nada;
4) A Folha, que errou a grafia de meu nome e uma de minhas ocupações atuais (não sou “doutorando em Relações Internacionais”, mas em Ciência Política), também informou na capa que havia um plano detalhado e que “a ação chegou a ter data e local definidos”. Se foi assim, qual era o local definido, o dia e a hora? Desafio que os editores mostrem a gravação em que eu teria informado isso à repórter;
5) Uma coisa elementar para quem viveu a época: qualquer plano de ação envolvia aspectos técnicos (ou seja, mais de caráter militar) e políticos. O levantamento (que é efetivamente o que estava sendo feito, não nego) seria apenas o começo do começo. Essa parte poderia ficar pronta em mais duas ou três semanas. Reiterando: o Comando Regional de São Paulo ainda não sabia com certeza sequer a freqüência e regularidade das visitas de Delfim a seu amigo no sítio. Depois disso seria preciso fazer o plano militar, ou seja, como a ação poderia ocorrer tecnicamente: planejamento logístico, armas, locais de esconderijo etc. Somente após o plano militar seria elaborado o plano político, a parte mais complicada e delicada de uma operação dessa natureza, que envolveria a estratégia de negociações, a definição das exigências para troca, a lista de companheiros a serem libertados, o manifesto ou declaração pública à nação etc. O comando nacional só participaria do planejamento , portanto, mais tarde, na sua fase política. Até pode ser que, no momento oportuno, viesse a delegar essa função a seus quadros mais experientes, possivelmente eu, o Carlos Araújo ou o Carlos Alberto, dificilmente a Dilma ou Mariano José da Silva, o Loiola, que haviam acabado de ser eleitos para a direção; no caso dela, sequer tinha vivência militar;
6) Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista pessoal – apelando para telefonemas e e-mails, e dependendo das orientações de um jornalista mais experiente, no caso o próprio entrevistado -, a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos, a Primeira e a Segunda auditorias de Guerra, de São Paulo, e a Segunda Auditoria da Marinha, do Rio de Janeiro.


Osasco, 5 de abril de 2009

Antonio Roberto Espinosa

Jornalista, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela USP, autor de Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.
** Na imagem acima, o editoral da Folha de S. Paulo de 17 fev. 2009, em cujo texto o jornal afirma ter havido no Brasil uma "ditabranda", em referência à ditadura militar que se instalou no país por meio de um golpe de Estado, em 1964. Imagem disponível em http://pedalante.wordpress.com/2009/03/06/show-jornalismo-canalha/.

domingo, 5 de abril de 2009

Del fin del mundo: "Darwin andando", sem viés





Segundo reportagem da Folha de São Paulo de hoje, o grupo ao qual pertencera Dilma Roussef (a Vanguarda Popular Revolucionária - VPR) na luta contra a ditadura militar teria planejado sequestrar o então ministro Delfim Netto.

A ministra pediu à entrevistadora que registrasse sua "negativa peremptória" (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u545690.shtml) de que não tinha conhecimento do plano de seqüestro do então ministro. A jornalista da Folha, Fernanda Odilla, teria entevistado um dos ex-combatentes da VPR, hoje doutorando em Relações Internacionais pela USP, Antônio Roberto Espinosa, que teria fornecidos detalhes ("segredos que diz não ter revelado sob tortura") do plano e do conhecimento de Dilma do mesmo.


Segundo o informante da repórter, o seqüestro de Delfim Netto se daria em um sítio de amigos no interior de São Paulo, local por ele visitado. Haveria, inclusive, um mapa (feito por Espinosa) que atestaria a elaboração do plano. Procurado, Delfim Netto teria afirmado desconhecer a existência da trama de seqüestro; confirmou, porém, que freqüentava o sítio indicado.


Fora o caráter de pré-campanha eleitoral da "reportagem" (feita sob o pretexto da desmoralização de adversários políticos), algo intrigante existe sobre a figura de Delfim Netto. Deveria ser inaceitável (em um governo que se pretende de "esquerda") como o "guru", o "oráculo"* do Presidente Lula (apontado por Delfim como aquele que "salvou o capitalismo brasileiro"), um dos homens que assinaram o Ato Institucional n. 05 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm). Deveria ao menos haver "causado ruído" quando, em 2002, Delfim apoiou Lula (aquele de quem, segundo Regina Serra Duarte, os brasileiros deveriam ter medo); quando, em 2008, Lula indicou, em um só ato, Delfim e MV Bill para compor o Conselho de TV Pública; quando Delfim passou a escrever na Revista Carta Capital (o único semanário mais próximo do governo e de uma postura da "nova esquerda") - o fato de que ele escreva na Folha ou no Valor Econômico é menos acintoso; ou nas reiteradas vezes em que Delfim é sacralizado pela mídia como o profeta sobre os destinos brasileiros.


Na faísca de discussão pública que Tarso Genro e Paulo Vannuchi encetaram sobre a Lei de Anistia (também esta, claro, assinada por Delfim), ninguém procurou o "oráculo" de Lula (Antônio Delfim Netto) para perguntar a sua opinião. Sempre o expediente da hipocrisia ou da ausência de memória.


À "reportagem" da Folha de hoje se opõe a coragem e luci(a)cidez de Paulo Henrique Amorim (http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/?p=8604), que, sem titubear, põe o dedo na ferida do Partido da Imprensa Golpista (PIG): "A reportagem tem a finalidade de provocar o “medo” em Regina Duarte e as “mal-amadas” (**) de Higienópolis.Esse truque - dizer que o Lula comia criancinhas - resultou em duas vitórias esmagadoras de Lula, pela mesma margem de 61% a 39% - contra Serra e Geraldo Alckmin. Lula não come criancinha nem a Dilma. Mas, a Regina Duarte vai ficar com medo, de novo. E por que a Folha (*) não faz o mea-culpa? Mudou de ideias ou de métodos? Ou nenhum dos dois? Por que a Folha (*) não confessa que usava os carros de reportagem para ajudar a torturar presos políticos como a Dilma? E sobre o José Serra? Por que ele foi para o exílio?".


Das instituições, do Estado (esse aparelho de defesa dos interesses dos 6% que concentram os meios de produção no Brasil - cf. POCHMANN, Márcio. Atlas da nova extratificação social do Brasil. São Paulo: IPEA, 2009, vol. 03), dos partidos políticos reconhecidos, das eleições, não há mesmo o que esperar (mudar o mundo é apenas um slogan para enganar o povo); nesse contexto, que se corteje um dos mentores do aparelho de repressão e desaparecimento de pessoas (instalado por todas as instituições já citadas), como se ele tivesse mesmo algo a nos dizer e legitimidade para nos representar, passa a ser tão indiferente quanto eleger Dilma (que teria, segundo Delfim, se livrado "do viés [antiprivatista] que teve no passado") ou Serra (ambos feitos no protesto à ditadura), porque seus hipotéticos projetos já não se distinguem, como não se distinguem os quereres do ex-sindicalista/perseguido pela ditadura/presidente da república Lula e do ex-ministro do governo militar/atual guru Delfim. As ilusões sobre o Estado se acentuam (e os incautos assentem, como se o neoliberalismo fosse a única alternativa oposta) e no fim, de del-fin em Delfim's, de Darwin andando** em Marx-não-lido, a história se faz como farsa.




__________________


* Delfim Netto, em entrevista a O Estado de S. Paulo, declarou sobre essa qualificação de "conselheiro" de Lula: "Isso é história. De vez em quando, ele me honra com um convite. Vou lá e conversamos sobre o Corinthians." (cf. http://blogdofavre.ig.com.br/tag/delfim-netto/).


** Delfim afirmou na entrevista citada (cf. http://blogdofavre.ig.com.br/tag/delfim-netto/): "O Lula é um sobrevivente. O Lula é o Darwin andando. É um processo da seleção natural mesmo, e com uma vantagem: nunca leu Karl Marx."


+++ Na imagem acima (http://lutaclassista.files.wordpress.com/2008/10/combativa-manifestacao-de-repudio-a-farsa-eleitoral-realizada-pela-frente1.jpg), manifestação da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), em Rondônia.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Ainda o transe: Deus e o Diabo na terra do sol


Meia-noite de sexta-feira, descendo a escadaria da Estação Osasco da CPTM, trabalhadores extenuados rumam seus corpos para os torpores de dois dias de descanso (isso quem não terá de cumprir as quatro horas de trabalho da manhã de sábado).

Descendo a escadaria, duas radiolas na rua, uma de cada lado da saída da estação, fazem cruzar o canto gospel e o canto profano do forró. Assim como Deus e o Diabo são da mesma cepa, assim como o bem e o mal só existem um em relação ao outro, assim como se acende uma vela e se cuida de apagá-la com um gole de cerveja ou cachaça, assim como se perdoa e se vinga, assim como se vive e se morre...

Nas ondas sonoras da sexta-feira que já não é e do sábado que ainda não pode ser, nesse limiar ignorado pelos defensores do bem e do mal, existem os artífices do transe latino-americano.

Ouçamos, em vermelho, as vozes do mundo; e em cor sóbria, a voz do sagrado:


Como Zaqueu eu quero subir
Bandida vou sair da sua vida
O mais alto que eu puder
Mesmo tu sendo tão linda

Só pra te ver, olhar para Ti
Cansei de te procurar
E chamar sua atenção para mim
Decidi vou te deixar
Eu preciso de Ti, Senhor
Você, não falou que era santa
Eu preciso de Ti, Oh! Pai
Veja só o que você fez
Sou pequeno demais
Mais a paixão era tanta
Me dá a Tua Paz
Você, não falou de sentimento
Largo tudo pra te seguir

E agora por um momento
Entra na minha casa
Quer se declarar de vez
Entra na minha vida
Bandida...
Mexe com minha estrutura
Que não deu pra perceber
Sara todas as feridas
Enquanto coração te desejava
Me ensina a ter Santidade
Você jurou não me amava
Quero amar somente a Ti
Só queria me envolver
Porque o Senhor é o meu bem maior
Bandida...
Faz um Milagre em mim

Essas vozes, saiba o incauto, são a interpolação do canto gospel Entra na minha casa, com a música de forró, Bandida, da Banda Capa de Revista.


Das profundezas do ontem e do amanhã: "Se entrega, Corisco!/ Eu não me entrego não/ Eu não sou passarinho/ Pra viver lá na prisão."





domingo, 22 de março de 2009

"Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que mamaste!"



Manhã de domingo, 22 de março de 2009, Av. Esmeralda, Jardim Mutinga, zona norte de Osasco. Homem vestindo camiseta cavada preta, com a frase: "É fácil andar com Jesus no peito, difícil é ter peito para andar com Jesus."




Depois de Maria Madalena, era mesmo de desconfiar: Jesus ia acabar se rendendo à Sabrina Boing-Boing e à Maxi Mounds. É uma questão de peito... ou do Verbo entre os peitos, como uma boa "espanhola".






OBS: na foto, a modelo Sabrina Boing-Boing, que reivindica ter os maiores seios do Brasil. Foto disponível em http://www.clicrbs.com.br/blog/fotos/79383post_foto.jpg

quarta-feira, 11 de março de 2009

As coisas que há nas flores


Descendo a Av. Morumbi, eu vinha pela noite de terça-feira, conversando com meu amigo Mocho de Minerva sobre a tão falada "pirataria"; Mocho falava de como as pessoas se levam a sério e ficam preocupadas com a "propriedade intelectual" [sic!], ansiosas para darem à Warner, à EMI, Sony, etc., os seus trocados. Isso de preferir ignorar o sujeito que sobrevive vendendo cópias não-autorizadas (que tem apenas isso como o seu ganha pão) e comprar um dvd ou cd com a devida fatia do capital monopolista. Mocho falava de como a propriedade privada acaba sendo o sustento de idéias (ou ideologias?) como Estado e Deus. Entramos na Estação Morumbi, o trem para Osasco estacionou e nos despedimos. Embarquei.

Minutos depois, não sei bem em qual estação, um homem se sentou no banco vago ao meu lado. O homem trazia uma camisa aberta sobre uma camiseta; dele exalava um forte odor de cigarro. Eu havia retirado um livro da bolsa e o lia (o livro é O direito no jovem Lukács: a filosofia do direito em História e consciência de classe, de Sílvio Luiz de Almeida). De repente, no interior do vagão, ouvia-se um chiado; ergui os olhos do livro, olhei para o lado, não dava para perceber de onde provinha o chiado... parecia ser um cão. O homem que se sentara o meu lado, então, disse, dirigindo-se a mim, que achava que animais eram proibidos nos trens; ao que retruquei, afirmando tudo ser possível nos trens. Meu interlocutor fez observar que os tempos são outros e que agora as coisas andam mais rígidas.

Desculpou-se, levou a mão na direção do livro que eu lia e, escusando-se de sua curiosidade, pediu para ver o que eu estava lendo. Mostrei. Era um homem magro, jovem, pouco mais de 30 anos. “Olhe: direito...” E eu complementando: “É, filosofia do direito...” O outro então observou que o direito é muito controvertido e que devia mesmo fazer bom par com a filosofia. Essa observação quase me fez lhe perguntar se ele se dedicava ao estudo de alguma coisa em especial; mas, contive-me. E ele continuou: “Sabe, eu sou muito curioso. Uma vez li um livro (já o procurei em sebos para comprar, mas nunca encontrei) chamado Como persuadir falando. Lembro-me bem de uma fábula narrada no livro que tratava de Afrodite, a deusa da sensualidade. Era uma fábula sobre a persuasão. Contava a história de um animal quadrúpede de três cabeças – uma cabeça de cachorro, uma cabeça de macaco e uma cabeça de gato; olhe só que estranho animal! A cabeça de cachorro para nos lembrar sempre de que o primeiro passo para persuadirmos é que o nosso interlocutor nos julgue fiel, confiável; a cabeça de macaco, para que nos lembremos de que a persuasão exige que sejamos racionais; e a cabeça de gato para nos lembrar que, ao persuadirmos, devemos ser tranqüilos.”

Assenti e demonstrei interesse na história. O homem, então, apenas com uma sacola de supermercado no colo, disse ter de usar bastante da persuasão. Eu quis saber para quê. E ele, seco: “Sou morador de rua; sou pedinte, peço o dia todo. Preciso persuadir.” Então perguntei se ele mentia, quando desenvolvia sua arte de persuasão. Ele respondeu que sim. Fiz observar que a persuasão não tem compromisso com a verdade e que a mentira tem um importante papel social. Ele acrescentou: “Sou publicitário, tenho talento em design... [apontou um cartaz publicitário na parede do trem e fez considerações técnicas].” E eu: “Mas, por que você se tornou morador de rua?” Então o homem contou que sua escolha se devia a problemas familiares, a razão porque acabara escolhendo a rua. Perguntei, então, se na rua havia mais solidariedade do que encontrava na sua família. Ele disse que não, que em sua casa tinha mais conforto (TV, DVD, internete, acesso a livros, etc.), e isso faz falta na rua. Cortando bruscamente o assunto, contou que é viciado em crack; que, às vezes, pára de usar drogas, trata-se, recupera-se, e em poucos dias já está restabelecido, com a vida organizada, com um micro novo... Mas, segundo contou, precisa viver como pedinte nas ruas para sustentar o vício do crack. No exercício de persuasão, prosseguiu, não adianta falar a verdade (“quando falo a verdade, não ganho nada!”), é preciso mentir sempre. Segundo sua percepção, as pessoas estão muito fechadas (condição por ele denominada de DAC [dispersão auto-centrada]) e está cada vez mais difícil atingi-las. Perguntei para onde ele ia naquela hora (23 h 30 min.); respondeu que estava indo dormir nas proximidades da Estação Ceasa.

O trem parou na Estação Villa-Lobos/Jaguaré, ele se levantou: “Chegou a minha estação; vou ficar aqui.” Fiz menção de me levantar... E ele: “Acho que você está muito ocupado, senão você podia descer e a gente continuava a conversa.” Eu: “Poxa, seria muito interessante, mas receio perder o último ônibus da Estação de Osasco para a minha casa...” Ele: “Então a gente se vê por aí...” Eu: “Vemos, sim, estou sempre por aqui nesse horário.”

Saiu, nem nos dizemos o nome; tomou a plataforma e caminhava em direção contrária à que o trem seguia. Se a sua estória/história era verdadeira, não saberei jamais, tampouco me interessa. Se fui persuadido de uma mentira, fui gratuitamente persuadido; ele nada pediu, eu nada dei. Mas, o que conta não é nada disso; o que conta é o quanto de vida cada um carrega consigo. Aquele homem, com sua sintaxe sem atropelos, suas concordâncias bem feitas, sua roupa desleixada, se odor de cigarro, sua magreza, sua curiosidade, sua preocupação com a persuasão, está “brotado de pessoinhas” (como diz Eduardo Galeano), tão encantante que apenas reafirma a máxima de Guimarães Rosa, segundo quem “as passagens contadas, verdadeiras ou não, são muito mais interessantes do que o realmente acontecido”.

O cão ainda chiava, debaixo de algum banco do vagão. Uma moça dizia a um rapaz: “Cresci numa casa cheia de marxismo, mas não tô nem aí, gosto muito do Padre Marcelo Rossi, do jeito dele pregar, das músicas dele...” Lentamente, fui caminhando para a última porta do vagão, já prenunciava o Largo de Osasco. Uma mulher que lia se levantou, caminhou e ficou parada do meu lado, com o livro seguro contra o peito. Bisbilhoteiramente, meu olho vasculhou sob seu braço e viu: Umberto Eco, Baudolino.



sábado, 7 de março de 2009

O idioleto - a contribuição milionária de todos os erros, como falamos, como somos


Sábado, 07 de março de 2009, por volta das 13 h, vão de trem da Linha 8 - Diamante, da CPTM:


Homem falando, em tom empostado e em voz alta:


"- Pessoal, no outro vagão foi um sucesso. O Lula concordou e agora você pode ter, por apenas 1 real, o mais completo manual com as regras do novo acordo ortográfico da língua portuguesa. Não deixe de contemplar a sua família com esse ilustrativo material. Por apenas 1 real você verá as novas regras de acentuação, colocação do hífen, novas letras inseridas no alfabeto, abolição do trema, não acentuação de ditongos em palavras paroxítonas, não acentuação dos hiatos, além, é claro, das palavras que perderam o acento diferencial..."


Ao longo do vagão, o homem recolhia patacas de 1 real, dadas em troca do preciso manual. Melhor seria que o povo reconhecesse de vez que o idioleto brasileirês archaico não aceita "acordos" gestados em fardões, nos gabinetes; o povo sabe (e vive) o que o poeta Manoel de Barros chama "idioleto", o "dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e as moscas". De minha parte, não renunciarei ao idioleto panapanês archaico, construído e degustado no vivido.
Na imagem acima (disponível em http://www.claudiohumberto.com.br/Portals/8/2006/03_marco/umbigo%20lula.JPG), Lula, antes de ser presidente, antes de assinar "acordos" [h]ortográficos, praticando o idioleto.