É improvável não falar em cansaço existindo (propositalmente não emprego o verbo “morar”, porque aqui não se “mora” – aqui, insiste-se, resiste-se, existe-se) na região metropolitana de São Paulo. Horas de deslocamento para chegar a qualquer lugar; como não existem tantos empregos assim, normalmente as pessoas se dispõem a “viajar” até um distante local de trabalho e, o que é pior, retornar até um lugarejo onde deixam suas coisas, tomam banho e dormem três ou quatro horas por noite. Esse não é o “cansaço” alphavilleano de Hebe Camargo, do Padre Antonio Maria, do advogado Urso, de Luciano Huck e toda a turma do “rolex”. Não, esse não é o “cansaço” de quem usa um relógio de 50 mil e fica “indignado” quando o primeiro moleque o leva. Estamos falando do cansaço do povo, dos que não sabem o que é mais-valia (apenas a sentem) e até se dispõem a serem (mais uma vez) ridicularizados na televisão, para terem a sua “lata velha” transformada numa “gracinha”.
Saio da faculdade na Av. Nossa Senhora do Sabará, no Jardim Marajoara – dez da noite, quinta-feira, 22 de outubro de 2009. Tomo o ônibus, permaneço em pé na parte rebaixada (descerei logo para tomar o trem, na Estação Jurubatuba). De repente, surpreendo-me com um alto ressonar; miro as pessoas sentadas na parte alta do ônibus. Identifico um homem, cerca de 40 anos, gordo, negro, simplesmente dormindo. Como um pêndulo de relógio (o senhor do tempo medido), sua cabeça oscila de um lado para outro. De boa aberta, o homem ronca (se me contassem a intensidade, custaria acreditar). As pessoas começam a olhar; esforçam-se para manterem sérias, com a típica indiferença paulistana. Mas fracassam: o homem deixa pender a cabeça para trás; o ronco é estrondoso. Risos abafados. Um casal de desconhecidos sentados na poltrona da frente se incomoda – “se ele ronca assim aqui, imagine como deve ser na casa dele...”. O riso se faz solto; a essa altura, estamos todos rindo, sem nenhuma piedade pelo cansaço do homem. “Ih, o cara ta malzão mesmo, mano!”
Desço no ponto do SP Market. As pessoas todas rindo, e o homem (sem ninguém na poltrona ao lado) dorme, apesar do balançar do ônibus por todas as curvas, apesar do fechar e abrir das portas, apesar das etiquetas (“Pô, meu, se ele soubesse o mico que tá pagando, morreria de vergonha...”). Da calçada, após ter descido, olho uma última vez e o homem continua com seus fones nos ouvidos (que música o embalaria?)... até onde? Não importam essas questões pelo quando e pelo onde... na Macondo de cada dia, são esses pequenos galhos aparentemente absurdos o que destoa e nos faz perguntar pelo vivido na correnteza lamacenta da repetição cotidiana.
O cansaço é o sintoma da modernidade. Mesmo sonâmbulos, seguimos; para onde e para o quê não sabemos. Apenas continuamos.
(São onze horas da noite, o trem da CPTM pára na Estação Jaguaré. No banco ao meu lado está um homem da mesma idade que eu, com fones de DJ nos ouvidos... o trem cheio, alguém fala do Natal, do Carnaval e ainda estamos em outubro... Um celular toca. Como José-Todos-Nós que somos, seguimos... para onde?).
Saio da faculdade na Av. Nossa Senhora do Sabará, no Jardim Marajoara – dez da noite, quinta-feira, 22 de outubro de 2009. Tomo o ônibus, permaneço em pé na parte rebaixada (descerei logo para tomar o trem, na Estação Jurubatuba). De repente, surpreendo-me com um alto ressonar; miro as pessoas sentadas na parte alta do ônibus. Identifico um homem, cerca de 40 anos, gordo, negro, simplesmente dormindo. Como um pêndulo de relógio (o senhor do tempo medido), sua cabeça oscila de um lado para outro. De boa aberta, o homem ronca (se me contassem a intensidade, custaria acreditar). As pessoas começam a olhar; esforçam-se para manterem sérias, com a típica indiferença paulistana. Mas fracassam: o homem deixa pender a cabeça para trás; o ronco é estrondoso. Risos abafados. Um casal de desconhecidos sentados na poltrona da frente se incomoda – “se ele ronca assim aqui, imagine como deve ser na casa dele...”. O riso se faz solto; a essa altura, estamos todos rindo, sem nenhuma piedade pelo cansaço do homem. “Ih, o cara ta malzão mesmo, mano!”
Desço no ponto do SP Market. As pessoas todas rindo, e o homem (sem ninguém na poltrona ao lado) dorme, apesar do balançar do ônibus por todas as curvas, apesar do fechar e abrir das portas, apesar das etiquetas (“Pô, meu, se ele soubesse o mico que tá pagando, morreria de vergonha...”). Da calçada, após ter descido, olho uma última vez e o homem continua com seus fones nos ouvidos (que música o embalaria?)... até onde? Não importam essas questões pelo quando e pelo onde... na Macondo de cada dia, são esses pequenos galhos aparentemente absurdos o que destoa e nos faz perguntar pelo vivido na correnteza lamacenta da repetição cotidiana.
O cansaço é o sintoma da modernidade. Mesmo sonâmbulos, seguimos; para onde e para o quê não sabemos. Apenas continuamos.
(São onze horas da noite, o trem da CPTM pára na Estação Jaguaré. No banco ao meu lado está um homem da mesma idade que eu, com fones de DJ nos ouvidos... o trem cheio, alguém fala do Natal, do Carnaval e ainda estamos em outubro... Um celular toca. Como José-Todos-Nós que somos, seguimos... para onde?).
Um comentário:
Panapicabia, é um retrato do que vivemos, belo texto. Estou na espera de novas "atualizações" (termo esdrúxulo) do Rev. Caraíba e das original's que precisamos entornar em alguma esquina desta paulicéia quase estéril. Salve!
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