sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Sobre as ilusões de um “Yes, we can” multicultural


Quando superamos desafios aparentemente intransponíveis. Quando nos disseram que não estávamos preparados, ou que não deveríamos tentar, ou que não podemos, gerações de norte-americanos responderam com uma crença simples, que resume o espírito de um povo: “Sim, nós podemos”. Esta crença foi escrita nos documentos fundadores, que declararam o destino de uma nação: “Sim, nós podemos”.
Era sussurrada por escravos e abolicionistas, enquanto abriam uma trilha rumo à liberdade nas noites mais escuras.
“Sim, nós podemos” foi a frase cantada pelos imigrantes que deixavam terras distantes e pelos pioneiros que caminhavam para o Oeste, apesar da natureza impiedosa.
“Sim, nós podemos” era o chamado dos trabalhadores que organizavam; das mulheres que chegavam às urnas, de um presidente que escolheu a Lua como nossa nova fronteira; e de um rei [Martin Luther King Jr] que chegou ao topo da montanha e apontou o caminho à Terra Prometida. “Sim, podemos” para a justiça e a igualdade.
“Sim, podemos” para a oportunidade e a prosperidade. “Sim, podemos” curar esta nação. “Sim, podemos” consertar este mundo.
“Sim, nós podemos”.

Trecho final do discurso de Barack Obama em New Hampshire, em 08 de janeiro de 2008.

Ainda sob o influxo do delírio planetário em torno da vitória de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos da América (04 nov.), é freqüente ouvir a frase “só espero que ele corresponda a toda a esperança nele depositada”. Nada mais irracional do que esta frase e o próprio delírio: é óbvio que Barack Obama não corresponderá (ainda que subjetivamente o queira) à mínima fração dos que o miram como um novo messias, por um motivo bastante simples – ele se tornou presidente dos EUA. Os enganos todos se iniciam quando as pessoas se prendem a um símbolo – o “homem negro” de Hugo Chávez[i] –, como se este, qual um taumaturgo, pudesse mesmo “consertar este mundo”; como se a peça publicitária “Yes, we can”[ii] (lema, aliás, originário das greves camponesas estadunidenses dos anos 1970[iii]) fosse ser algo mais que palavras. Ninguém ignora que Obama não padece da estupidez dos xerifes republicanos, principalmente da “inteligência” de Bush; mas supor que um símbolo (ainda que forte, dada a força do racismo estadunidense) possa “curar” a nação e “consertar o mundo”, é indicativo de alienação típica da Geração Harry Potter.
Dirão certamente que esta linha argumentativa pertence ao “ceticismo fatalista”
[iv], postura resumível na frase “nada muda, o imperialismo estadunidense continuará da mesma forma”. É pior do que isso: é claro que algo muda, que Obama não é Bush; mas, essa mudança meramente simbólica (esse homem simbólico, fazedor de uma política simbólica, reivindicado como a possibilidade histórica destes tempos[v]) pode apenas o que podem os símbolos – serem objeto conveniente de manipulação, sem que se leve em conta o seu sentido, como ocorreu, aliás, com a peça publicitária “Yes, we can”, explorada à exaustão, mediante a utilização de um batalhão de celebridades e estratégias de marketing virtual. A pasteurização dos tempos sombrios em que vivemos não deixa imune qualquer símbolo, seja o lema dos camponeses estadunidenses dos anos 1970, seja o legado da esquerda (melancolicamente resumida em movimentos sociais[vi] e em self-made mans eleitorais, tão politicamente consistente quanto qualquer mercadoria, qualquer caixa de sabão-em-pó que “revolucionará a sua vida”), seja o “homem negro”, cujos fracassos serão todos computados na exclusiva responsabilidade de todas as pessoas negras. O pensamento simbólico (já o dissera, em meados do século passado, o filósofo francês Henri Lefebvre) é aquele que “permite que muitas pessoas discorram, formem frases corretas, sem nem sequer saberem do que falam. O pensamento simbólico é aquele dos tagarelas e de um certo número de alienados.”[vii]
Grande parte da distorção interpretativa sobre a vitória de Obama reside no fato de que atribuem ao presidente dos EUA um poder que ele não tem. A ilusão de achar que o poder está no aparato de Estado (mesmo se tratando de um Estado-xerife como o estadunidense), mais precisamente na cúpula do Executivo, é bastante conveniente a todos aqueles que o Estado realmente representa – os grandes monopólios, corporações e especuladores internacionais. A Geração Harry Potter acredita que o presidente dos EUA seja o homem mais poderoso do mundo, que os EUA sejam a nação mais poderosa do mundo; todo esse “poder”, porém, não se faz à margem do servilismo de todos aqueles que emitiram suas notas reverenciais ao novo presidente, desde os que por ele torciam como se torce por um time de futebol, até aqueles que o rechaçavam, chegando a dizê-lo “mulçumano” ou “socialista”. O fetichismo do Estado e do chefe de Estado como o Poder foi erro em que os próprios movimentos revolucionários marxistas do século XX incorreram. Indisfarçável esse fetichismo quando se vê que Obama, valendo-se de eleições e das vias institucionais, propõe “curar” os EUA e “consertar o mundo”, em evocação retórica do reformismo social-democrata. Reafirma-se por essa via, a crença de que o poder está no Estado e que este pode ser utilizado para mudar a sociedade; ainda mais esse fetichismo do Estado é revigorado com a atual crise financeira ou crise do desvario especulativo, quando as tetas estatais são oferecidas às bocas sedentas dos falidos.
O fetichismo social-democrata, segundo John Holloway (cientista política irlandês, residente no México), “isola o Estado do seu contexto social: atribui-lhe uma autonomia que ele de fato não tem. Na realidade, o que o Estado faz está limitado e condicionado pelo fato de que existe só como um nó em uma rede de relações sociais, que se centra, de maneira crucial, na forma que o trabalho está organizado.”
[viii] Ainda que a eleição de Obama tenha se dado com inédita eficiência no manuseio de tecnologias da informação, principalmente a internete, o que representou a adesão majoritária da juventude, esse simples fato não garantirá ausência de isolamento do Estado em relação ao contexto social. Não apenas Obama não era ainda o presidente do país (note-se, entretanto, que mesmo após sua eleição, o “homem negro” cuida de manter aberta uma página virtual para interlocução com a nação), como também a adesão de uma geração formada por adolescentes esmagadoramente despolitizados (razão por que a chamamos “Geração Harry Potter”) ou as contribuições para financiamento de campanha provinda de particulares, não pode significar enraizamento do presidente eleito ao contexto social estadunidense. Aparentemente, Obama e suas propostas (“Yes, we can”) estão enraizados entre os estadunidenses; aparentemente, o presidente eleito – dada a propaganda sobre as inúmeras contribuições particulares ao seu fundo de campanha – terá mais autonomia que outros presidentes financiados por petroleiros, pela indústria de armas ou outros monopólios. Contudo, a “onda Obama”, o desvario da “Geração Harry Potter” (em cujo seio a política é substituída pela auto-ajuda mercantilizadora de tudo), tem a mesma solidez do “Yes, we can”: uma bruma de símbolos, um lema descafeinado, com raízes-imagens fincadas na “teia” virtual. Nem seria propriamente um “lema descafeinado”, já que a “realidade virtual”, como observa Slavoj Zizek, não se compreende em termos de quantidade (“café sem cafeína”), mas no fato de que “suspende a própria noção de realidade”.[ix]
As palavras de Obama em New Hampshire – “pediram para que parássemos e tivéssemos senso de realidade [grifamos]. Avisaram-nos para não oferecermos às pessoas deste país falsas esperanças.” – ressalvam o que está sendo posto em prática: a ideologia multicultural como dissimulação do capitalismo, ora vestido de neoliberalismo. Simplesmente, o que está em questão não são as pessoas, a realidade concreta; a realidade virtual é o instrumento de expressão perfeita das distâncias de que se constitui o capitalismo. Quanto às “falsas esperanças”, ora o que tem sido a modernidade senão o oferecimento de falsas esperanças? Onde estão a liberdade, a igualdade e a fraternidade, prometidas há mais de duzentos anos pela Revolução Francesa? A teatralização da “política do espetáculo”
[x] é o que faz com que “as vitórias (embora parciais) sobre o racismo e o machismo representadas pelas campanhas de Obama e Hillary Clinton não são vitórias sobre o neoliberalismo, e sim do neoliberalismo: vitórias de um compromisso com a justiça que não faz nenhuma crítica à desigualdade, desde que seus beneficiários sejam racial e socialmente diversificados.”[xi] Estas palavras de Walter Benn Michaels (professor da Universidade de Illinois) resumem a ópera: os liberais estadunidenses – e, dentre eles, Obama – simulam insurgência ao falar em racismo e machismo, quando isso, na verdade, representa uma esquiva para não falar em capitalismo. O tabu capitalista, segundo Michaels, é observável tanto entre os neoliberais de direita (Mccain) quanto entre os neoliberais de esquerda (Obama): “Seja porque acreditam que a desigualdade é aceitável, desde que não decorra da discriminação (caso dos neoliberais de direita), seja porque acham que lutar contra a desigualdade racial e sexual constitui um passo na direção da igualdade real (caso dos neoliberais de esquerda).”[xii] As ilusões do “Yes, we can” multicultural vão de par com aquelas nutridas pelos “pais fundadores” (constantemente referidos por Obama) de que seria possível um “capitalismo emancipador”.
À frase desafiadora proferida por Obama no discurso de vitória – “se alguém duvidava da força da nossa democracia” – corresponde o mundo dos símbolos. A maquinaria capitalista – pasteurizando a tudo e todos, prendendo-se ao oco dos símbolos – se moldou às propostas multiculturais, admitindo que “o homem negro”, o metalúrgico, a mulher, o indígena, cheguem, por meio de eleições, à presidência dos países; o máximo que pode ocorrer é que os símbolos se mostrem como são, ocos. Os sujeitos do multiculturalismo (a mulher, o negro, o homossexual, o estrangeiro, o indígena, etc.) são apenas distanciamentos do humano genérico convenientes ao capitalismo (o establishment está sempre disposto a “ouvir suas demandas”, destituindo-as de força, como já o dissera, pertinentemente, Zizek), bem como a massa, a “Geração Harry Potter”.

_______________________
[i] Chávez, em seus discursos, têm se referido a Obama como “o homem negro”; após a vitória do candidato democrata nas eleições estadunidenses de 4 de novembro de 2008, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou, em nota à imprensa, seu desejo de “conversar com o homem negro na Casa Branca”.
[ii] “Sim, nós podemos”.
[iii] A esse respeito, confira texto de Humberto Alencar e Bernardo Joffily, publicado no Portal Vermelho – http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=46274.
[iv] Segundo Gilson Caroni Filho (da Agência Carta Maior), além do “ceticismo fatalista”, há entre os intérpretes da vitória de Obama os partidários do “triunfalismo pueril”, vertente que ignora os “enormes desafios que esperam o próximo ocupante da Casa Branca”. Toda a contundência da crítica se esvai quando se percebe que o próprio Gilson Caroni Filho se prende às brumas de um Obama de esquerda (uma esquerda multicultural, em oposição à qual a direita já se articularia para as eleições parlamentares de 2010), cujo “elemento central” de sua vitória é “justamente o reconhecimento dos movimentos sociais como atores de enorme importância para a revitalização da esfera pública”. Nada mais pueril do que isso. Confira o texto referido em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4024, acesso realizado em 08 nov. 2008.
[v] Novamente citamos o texto da nota anterior: Gilson Caroni cita o historiador Nicolau Sevcenko para corroborar sua posição – “Há oito anos, o historiador Nicolau Sevcenko afirmava que ‘esses movimentos que a gente viu tomar as ruas de uma maneira teatral, fortemente simbólica, em Seattle, Toronto, Washington e Praga, são a projeção na praça pública desse grande nexo de pessoas de todo o mundo que convergem para uma crítica que pretende recolocar o homem no centro do processo histórico’. As palavras de Sevcenko eram uma correta reflexão sobre o lugar da política no contexto da globalização neoliberal.”
[vi] Basta ver CARONI FILHO, Gilson. Obama, lições de uma vitória. Disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4024.
[vii] LEFEBRE, Henri. Lógica formal/ lógica dialética. (Trad. Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 132.
[viii] Confira HOLLOWAY, John. Mudar o mundo sem tomar o poder: sobre os significados da revolução hoje. (Trad. Emir Sader). São Paulo: Viramundo, 2003, p. 26.
[ix] ZͮIZͮEK, Slavoj (org). Às portas da revolução: escritos de Lenin de 1917. (Trad. dos textos de Slavoj Zͮizͮek, Luiz Bernardo Pericás e Fabrizio Rigout; tradução dos textos de Lenin, Daniela Jinkings). São Paulo: Boitempo, 2005, p. 304.
[x] Não esqueçamos da sempre atual tese de Debord, segundo a qual “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.” DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Cap. I, tese 4.
[xi] MICHAELS, Walter Benn. Contra a diversidade, (Trad. de Ivo Korytowski), piauí, n. 26, São Paulo, Ed. Alvinegra, nov. 2008, p. 56.
[xii] MICHAELS, W. B. Op. cit., p. 57.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Tribunal popular: o Estado brasileiro no banco dos réus




TRIBUNAL POPULAR:
O ESTADO BRASILEIRO NO BANCO DOS RÉUS

04, 05 e 06 de dezembro de 2008
Faculdade de Direito da USP
Largo São Francisco
São Paulo (SP)

Inscrições:
http://www.tribunalpopular.org/
tribunalpopular@riseup.net
fone: (11) 9769-9960




PROGRAMAÇÃO

Sessões de Instrução
04 de dezembro de 2008
1ª Sessão - 9 horas

Violência estatal sob pretexto de segurança pública em comunidades urbanas pobres: dentre outros, o caso do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro

Presidente: João Pinaud - membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB.
Acusadores: Nilo Batista - Jurista e fundador do Instituto Carioca de Criminologia e João Tancredo - Presidente do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH) e ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (RJ).
Defesa: representante do Estado.
Participação especial: Companhia de Teatro Marginal da Maré.


Dia 04 de manhã: SESSÃO DE INSTRUÇÃO referente à violência estatal sob pretexto de segurança pública nas comunidades urbanas pobres: o caso do Complexo do Alemão - RIO DE JANEIRO: as sucessivas Operações Militares em favelas (em particular as do Bope + Exército) e suas conseqüências de médio e longo prazo - além do genocídio de pobres e negros, o laboratório militar (teórico e prático) em que se transformou o Rio de Janeiro (à semelhança do Haiti), a ser estendido a outros territórios com perfil de pobreza similar.

2ª Sessão - 14 horas

Violência estatal no sistema prisional: a situação do sistema carcerário e as execuções sumárias da juventude negra na Bahia

Presidente: Nilo Batista - Jurista e fundador do Instituto Carioca de Criminologia.
Acusador: Lio N’zumbi - membro da Associação de Familiares e Amigos de Presos da Bahia (ASFAP-BA) e da Comunidade Reaja ou será Mort@ (BA).
Defesa: representante do Estado.

Dia 04 à tarde: SESSÃO DE INSTRUÇÃO referente à violência estatal no sistema prisional: a situação do sistema carcerário bahiano - BAHIA: as absurdas condições carcerárias dos presídios baianos e o encarceramento massivo e seletivo de jovens pobres, em sua maioria negros.

05 de dezembro de 2008
3ª Sessão - 9 horas

Violência estatal contra a juventude pobre, em sua maioria negra: os crimes de maio de 2006 em São Paulo e o histórico genocida das execuções sumárias sistemáticas

Presidente: Sergio Sérvulo - Jurista, ex-Procurador do Estado.
Acusador: Hélio Bicudo - Promotor aposentado, Presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos.
Defesa: representante do Estado.
Participação: Grupo Folias D’Arte.

Dia 05 de manhã: SESSÃO DE INSTRUÇÃO referente à violência contra a juventude pobre, em sua maioria negra: os crimes de maio/2006 – SÃO PAULO: o extermínio de maio/2006 e o histórico genocida de execuções sumárias sistemáticas levadas a cabo pelo Estado, muitas vezes junto com grupos de extermínio.


4ª Sessão - 14 horas

Violência estatal contra movimentos sociais e a criminalização da luta sindical, pela terra e pelo meio ambiente

Presidentes: Ricardo Gebrim - Advogado, Coordenador da Consulta Popular e Maria Luisa Mendonça - Coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Acusador: Onir Araújo Filho - Advogado, membro do Movimento Negro Unificado (MNU).
Defesa: representante do Estado.
Participação especial: Aton Fon Filho, Advogado do MST.

Dia 05 à tarde: SESSÂO DE INSTRUÇÃO referente à violência estatal contra movimentos sociais e a criminalização da luta sindical, pela terra e pelo meio-ambiente: duas tentativas de aniquilação do MST - RIO GRANDE DO SUL e PARÁ: a recente operação do Ministério Público gaúcho junto à Brigada Militar do RS na tentativa de aniquilação do MST e seus integrantes; e a repressão seguida por assassinatos sistemáticos de militantes sem-terra e ambientais no histórico recente do Pará, por meio da aliança entre representantes do estado e matadores de aluguel, sob a garantia de impunidade.

06 de dezembro de 2008
Sessão final de julgamento – 9 horas

Dia 06 de manhã: SESSÃO FINAL: VEREDITO referente ao ESTADO BRASILEIRO

Presidentes: Hamilton Borges - membro da Associação de Parentes e Amigos de Presos na Bahia (ASFAP-BA) e Coordenador da Campanha Reaja ou será Mort@; Valdênia Paulino - Coordenadora do Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (SP) e Kenarik Boujikian - Juíza e Diretora da Associação de Juízes para Democracia.
Acusador: Plínio de Arruda Sampaio - Presidente da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária e Diretor do “Correio da Cidadania”.
Defesa: representante do Estado.


Participação especial: Kali Akuno - Movimento Malcon X Grass Roots Mouviment.

Jurados convidados: Cecília Coimbra - Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais (RJ); Ferréz - Escritor e MC; José Guajajara - Militante de movimento indígena, membro do Centro de Étnico conhecimento Sócio-Ambiental Cauieré; Ivan Seixas - Diretor do Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo; José Arbex - Jornalista e Escritor; Marcelo Freixo - Deputado Estadual PSOL(RJ); Marcelo Yuka - Músico e Compositor; Maria Rita Kehl - Psicanalista e Escritora; Paulo Arantes - Professor de Filosofia da USP; Wagner Santos - Músico e sobrevivente da Chacina da Candelária (RJ); Waldemar Rossi - Militante da Pastoral Operária e do Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, aposentado; Adriana Fernandes - Presidente da ASFAP (BA) e Dom Tomás Balduino - Bispo Emérito da cidade de Goiás e Conselheiro permanente da CPT.


TRIBUNAL POPULAR: O ESTADO BRASILEIRO NO BANCO DOS RÉUS

Desde o final dos anos oitenta, com a Constituição Federal em 1988 e com a realização regular de eleições diretas, o Brasil vem sendo considerado um Estado Democrático de Direito - sendo inclusive signatário dos principais tratados e convenções internacionais de direitos humanos.
Entretanto, os ordenamentos jurídicos que visam a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, como se verifica, não são colocados em prática. Muito ao contrário, o Estado - que nos seus próprios termos, deveria garantir os direitos e promover a justiça social -, por meio de seus aparatos e suas instituições, viola sistematicamente os direitos das populações mais pobres das favelas, das periferias urbanas e do campo, sobretudo os jovens negros, quilombolas, indígenas e seus descendentes.
O objetivo da realização do Tribunal Popular é se contrapor às celebrações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos ao julgar o Estado Brasileiro pelas práticas sistemáticas de violações de direitos.
O Tribunal Popular realizará 4 sessões de instruções, as quais ocorrerão dos dias 4 e 5 de dezembro de 2008 e abordarão casos emblemáticos envolvendo violência institucional do Estado.
1) Operações militares sob pretexto de segurança pública em comunidades pobres: a Chacina do Alemão no Rio de Janeiro, em2007, quando a força policial executou 19 pessoas;
2) Violência estatal no interior das prisões do sistema carcerário: o complexo prisional baiano e as execuções discriminadas da juventude negra e pobre na Bahia;
3) Execuções sumárias sistemáticas da juventude pobre: os crimes de maio de 2006, em São Paulo, quando foram executadas cerca de 400 pessoas em apenas oito dias, marcando uma das mais violentas da história brasileira;
4) A criminalização dos movimentos sindicais, de luta pela terra, pelos direitos indígenas e quilombolas.
No dia 6 de dezembro ocorrerá a sessão final de julgamento, onde um júri composto por juristas, intelectuais, lideranças de movimentos e de entidades, artistas e principalmente vítimas destas violações e seus familiares se pronunciarão a respeito do Estado penal brasileiro.



ENTIDADES E MOVIMENTOS QUE COMPÕEM A ORGANIZAÇÃO DO TRIBUNAL POPULAR:

ALAIETS, ANDES-SN, APROPUC(SP), ASFAP(BA), Assembléia Popular, Associação Amparar(SP), Associação Brasileira pela Reforma Agrária (ABRA), Associação dos anistiados Aposentados, Pensionistas e Idosos de São Paulo, Associação de Familiares e Amigos de Pessoas em Privação de Liberdade(MG) , Associação de Juízes pela Democracia, Associação de Mães e Familiares de Vítimas da Violência do Espírito Santo, Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ), Associação Paulista de Defensores Públicos, Bancários na Luta, Brasil de Fato, Brigadas Populares(MG) , CAJP Mariana Criola, CDHSapopemba( SP), CEBRASPO, Centro Santo Dias de Direitos Humanos, CIMI(SP), Coletivo Contra Tortura, Coletivo Socialismo e Liberdade, Comitê Contra a Criminalização da Criança e Adolescente, Comuna Força Ativa(SP), Comunidade Cidadã, CONLUTAS, Conselho Federal de Serviço Social, Conselho Regional de Psicologia 6ª região, Consulta Popular, Correio da Cidadania, CRP(RJ), DCE-Livre da UFSCAR, DCE-Livre da USP, Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns (PUC-SP), Fórum Centro Vivo, Fórum da Juventude Negra(BA), Fórum das Pastorais Sociais e CEBs da Arquidiocese de SP, Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos de SP, Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente( SP), Fórum Social por uma Sociedade sem Manicômios, IDDH(RJ), Instituto Carioca de Criminologia, Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania(MG) , Instituto Palmares de Direitos Humanos(RJ), Instituto Pedra de Raio(BA), Instituto Rede Ação(RJ), Instituto Rosa Luxemburgo, Instituto Zequinha Barreto, INTERSINDICAL, Justiça Global, Kilombagem(SP) , MLST, MORENA - Círculos Bolivarianos, Movimento Defesa da Favela, Movimento em Marcha(SP), Movimento Nacional de Direitos Humanos, Movimento Negro Unificado (MNU), MST, MTST(PE), NEPEDH, Observatório das Violências Policiais de São Paulo (OVP-SP), ODH Projeto Legal, Projeto Meninos e Meninas de Rua, Quilombo X(BA), Reaja ou será mort@!(BA), Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência(RJ) , Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Resistência Comunitária(BA) , Revista Debate Socialista, Sindicato dos Advogados de SP, Sindicato dos Bancários de Santos, Sindicato dos Radialistas( SP), Sindicato Unificados dos Químicos de Osasco e Campinas, SINTRAJUD(SP) , SINTUSP, Tortura Nunca Mais(RJ).

Por ocasião do "crescimento da classe média" e da disseminação do casal-modelo Homem Médio e Mulher Honesta



O analfabeto político


Bertold Brecht

O pior analfabeto
É o analfabeto político,
Ele não ouve, não fala,
Nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe o custo da vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha,
Do aluguel, do sapato e do remédio
Dependem das decisões políticas.

O analfabeto político
É tão burro que se orgulha
E estufa o peito dizendo
Que odeia a política.
Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política

Nasce a prostituta, o menor abandonado,
E o pior de todos os bandidos,
Que é o político vigarista,
Pilantra, corrupto e lacaio
Das empresas nacionais e multinacionais.

Max Gonzaga & Banda Marginal - Classe média

Semana do vídeo popular


sexta-feira, 14 de novembro de 2008

De um dos pontos da Metrópole II: "Pode ser preta?"


Banca de jornal situada na Av. Morumbi (Brooklin- São Paulo), próximo à Av. Sto. Amaro, aproximadamente 17 h do dia 14 de novembro de 2008. Um senhor branco, de sandálias, calção e camisa à vontade, aparentando idade em torno de 60 anos, atravessa a rua, em direção à banca de jornal.
- Ô, Seo Rubens, o que vai ser hoje? - indaga o funcionário da banca,um homem negro, aparentando pouco mais de 30 anos.

- Tem caneta?

- Tem. O senhor vai querer de que cor?

- Azul.

Inclinando-se para procurar, o funcionário responde:

- Só tem preta.

- Não, preto não. Preto, comigo, só no braço! - diz, virando as costas e saindo.

O funcionário sorri. O outro toma a calçada e segue adiante.

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Quando eu nasci, eu era negro.
Quando eu cresci, eu era negro.
Quando eu tenho medo, eu sou negro.
Quando eu vou ao sol, eu sou negro.
Quando eu adoeço, eu sou negro.

Enquanto que você "homem branco"
Quando você nasceu, você era rosa,
Quando você cresceu, tornou-se branco,
Quando você vai ao sol, você fica vermelho,
Quando você tem frio, você fica azul,
Quando você tem medo, você fica verde,
Quando você adoece, você fica amarelo,
E, depois de tudo,
você tem a audácia de me chamar: Homem de cor.

(Autor desconhecido)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

De um dos pontos da Metrópole: "Ele mudou a nossa vida..."



Domingo, 09 de novembro de 2008, por volta das 14 h, num dos vagões de um dos trens da CPTM que faz a linha Osasco-Grajaú, três homens negros (aparentando idades entre 25 e 30 anos), bebem cerveja no fundo do vagão. Dois estão sentados em extremidades/corredor dos bancos e, entre eles, um companheiro, sentado no chão. Um dos que estão sentados nos bancos se irrita:

- Pô, meu, já te falei que não é Barata! É Ba-ra-ck! Do árabe, entendeu? Isso em árabe quer dizer "o iluminado de Deus"...

- É... o cara é foda mesmo, mano... - diz o companheiro do outro banco.

E o que estava sentado no chão, dando um gole na cerveja, sentencia:

- Esse cara [Barack Obama] mudou a nossa vida...

*** A foto publicada ao lado se encontra disponpivel em http://www.estadao.com.br/fotos/linhadiamante_ae.jpg. Acesso realizado em 10.11.2008.




terça-feira, 4 de novembro de 2008

Sobre a seletividade do sistema penal







No último texto que publicamos neste espaço, fizemos referência à seletividade do sistema penal. Como não esclarecemos o conceito e seu esmiuçamento pode ser difícil para algumas pessoas, aproveitamos o ensejo para publicar as palavras do criminólogo italiano Alessandro Baratta, cujo vigor e atualidade são marcantes:




A homogeneidade da sistema escolar e do sistema penal corresponde ao fato de que realizam, essencialmente, a mesma função de reprodução das relações sociais e de manutenção da estrutura vertical da sociedade, criando, em particular, eficazes contra-estímulos à integração dos setores mais baixos e marginalizados do proletariado, ou colocando diretamente em ação processos marginalizadores. Por isso, encontramos no sistema penal, em face dos indivíduos provenientes dos estratos sociais mais fracos, os mesmos mecanismos de discriminação presentes no sistema escolar.


No que se refere ao direito penal abstrato (isto é a criminalização primária), isto tem a ver com os conteúdos, mas também com os "não-conteúdos" da lei penal. O sistema de valores que neles se exprime reflete, predominantemente, o universo moral próprio de uma cultura burguesa-individualista, dando a máxima ênfase à proteção do patrimônio privado e orientando-se, predominantemente, para atingir as formas de desvio típicas dos grupos socialmente mais débeis e marginalizados. Basta pensar na enorme incidência de delitos contra o patrimônio na massa da criminalidade, tal como resulta da estatística judiciária, especialmente se se prescinde dos delitos de trânsito. Mas a seleção criminalizadora ocorre já mediante a diversa formulação técnica dos tipos penais e a espécie de conexão que eles determinam com o mecanismo das agravantes e das atenuantes (é difícil, como se sabe, que se realize um furto não "agravado"). As malhas dos tipos são, em geral, mais sutis no caso dos delitos próprios das classes sociais mais baixas do que no caso dos delitos de "colarinho branco". Estes delitos, também do ponto de vista da previsão abstrata, têm uma maior possibilidade de permanecerem impunes. Quanto aos "não-conteúdos", começa-se, finalmente, a procurar a raiz do assim chamado "caráter fragmentário" do direito penal (que os juristas freqüentemente assumem como um dado da natureza), não só na pretensa idoneidade técnica de certas matérias ao controle mediante o direito penal (ou na tautológica assunção da relevância penal de certas matérias, e não de outras), mas antes, em uma lei de tendência, que leva a preservar da criminalização primária as ações anti-sociais realizadas por integrantes das classes sociais hegemônicas, ou que são mas funcionais às exigências do processo de acumulação do capital. Criam-se, assim, zonas de imunização para comportamentos cuja danosidade se volta particularmente contra as classes subalternas.


Os processos de criminalização secundária acentuam o caráter seletivo do sistema penal abstrato. Têm sido estudados os preconceitos e os estereótipos que guiam a ação tanto dos órgãos investigadores como dos órgãos judicantes, e que os levam, portanto, assim como ocorre no caso do professor e dos erros nas tarefas escolares, a procurar a verdadeira criminalidade, principalmente naqueles estratos sociais dos quais é normal esperá-la.


O conceito de "sociedade dividida", cunhado por [Ralph] Dahrendorf para exprimir o fato de que só metade da sociedade (camadas médias e superiores) extrai do seu seio os juízes, e que estes têm diante de si, predominantemente, indivíduos provenientes da outra metade (a classe proletária), fez surgir nos próprios sociólogos burgueses a questão de se não se realizaria, com isso, o pressuposto de uma justiça de classe, segundo a clássica definição de Karl Liebknecht. Têm sido colocadas em evidência as condições particularmente desfavoráveis em que se encontra, no processo, o acusado proveniente de grupos marginalizados, em face de acusados provenientes de estratos superiores da sociedade. A distância lingüística que separa julgadores e julgados, a menor possibilidade de desenvolver um papel ativo no processo e de servir-se do trabalho de advogados prestigiosos, desfavorecem os indivíduos socialmente mais débeis.

FONTE: BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. (Trad. e prefácio de Juarez Cirino dos Santos). 3.ed. Rio de Janeiro: Revan/ Inst. Carioca de Criminologia, 2002, pp. 175-177.

*** A foto do Prof. Alessandro Baratta, acima publicada, foi originalmente publicada em http://www.uni-saarland.de/verwalt/presse/campus/2001/4/Auszeichnungen.html, onde se encontra disponpivel.