Especula o jornal espanhol El país que Hugo Chavez teria ido embora sem se reunir com a presidente Dilma Roussef (como fizeram líderes internacionais da Espanha, do Uruguai, da Coréia do Sul e Palestina), neste domingo, porque teria ficado frustrado com o discurso proferido na tarde de ontem (01.01.2011), em Brasília. Informa o correspondente do El país que o presidente venezuelano – conforme veiculado por blogs e periódicos eletrônicos – teria considerado o discurso de Dilma “pouco socialista”.
Embora a reclamação do conteúdo “pouco socialista” possivelmente não passe de fofoca palaciana posta na boca de Hugo Chavez, a quem a mídia cuida sistematicamente de distorcer as afirmações, o discurso de Dilma nada teve de socialista. Ao contrário, a presidente recém-empossada leu um discurso que não poderia ser mais conciliador e empenhado em afirmar a manutenção dos “fundamentos que nos garantiram chegar até aqui” (isto é, garantia de produção de superávit primário, manutenção da alta taxa de juros). A promessa de erradicação da pobreza extrema (que não passa de uma das finalidades do Estado, constitucionalmente prevista) – como já visto sob Lula – é providência que movimenta a economia, aumenta o consumo, mas interfere apenas timidamente no cenário em que os 10% mais ricos concentram mais de 40% da renda nacional, ao passo que os 50% mais pobres da população vivem com apenas 15% da citada renda.
Como já argumentado por Plínio de Arruda Sampaio quando de sua participação na eleição presidencial de 2010, um terço do orçamento do país referente a 2011 (isto é, 678,5 bilhões de 2,05 trilhões) é destinado apenas ao pagamento da rolagem da dívida (isso sem contar a produção de superávit primário). As promessas de combate à miséria e realização de investimentos, feitas no discurso de posse, portanto, permanecem sendo apenas palavras, dado que o orçamento está todo ele comprometido com as despesas básicas. O sucesso dos programas sociais tem mostrado que os poucos recursos que transferem representam o fim da pobreza extrema (isto é, as pessoas podem se alimentar), mas não impactam de forma significativa a renitente desigualdade social. Longe de avanços socialistas, a transferência de renda torna mais vigorosa a economia capitalista – há maior consumo, maior circulação de mercadorias, e os donos do capital lucram ainda mais.
O que há no discurso de posse de Dilma – peça pouco inventiva e burocrática em quase toda a extensão – é excesso de compromissos que nada afirmam. O politicamente correto parece ter tomado todos os espaços da vida – assume-se todas as posições para não se assumir posição alguma. Vivemos um tempo em que os conteúdos políticos são esvaziados em nome de uma atuação gerencial que a tudo contamina (exemplo disso é a modorrenta campanha das eleições 2010). Os sorrisos e cordiais saudações trocados entre Chavez e Hillary Clinton dão a medida do que realmente dá a tônica destes tempos – a mais deslavada realpolitik.
P.s.: a referência aos guerrilheiros que “tombaram pelo caminho” (e, acrescento, não viveram para ver a ex-guerrilheira ler quinze páginas de gerencialismos em sua posse na presidência) e as palavras de Guimarães Rosa foram, no discurso de Dilma, a flor que nasceu na rua.
Embora a reclamação do conteúdo “pouco socialista” possivelmente não passe de fofoca palaciana posta na boca de Hugo Chavez, a quem a mídia cuida sistematicamente de distorcer as afirmações, o discurso de Dilma nada teve de socialista. Ao contrário, a presidente recém-empossada leu um discurso que não poderia ser mais conciliador e empenhado em afirmar a manutenção dos “fundamentos que nos garantiram chegar até aqui” (isto é, garantia de produção de superávit primário, manutenção da alta taxa de juros). A promessa de erradicação da pobreza extrema (que não passa de uma das finalidades do Estado, constitucionalmente prevista) – como já visto sob Lula – é providência que movimenta a economia, aumenta o consumo, mas interfere apenas timidamente no cenário em que os 10% mais ricos concentram mais de 40% da renda nacional, ao passo que os 50% mais pobres da população vivem com apenas 15% da citada renda.
Como já argumentado por Plínio de Arruda Sampaio quando de sua participação na eleição presidencial de 2010, um terço do orçamento do país referente a 2011 (isto é, 678,5 bilhões de 2,05 trilhões) é destinado apenas ao pagamento da rolagem da dívida (isso sem contar a produção de superávit primário). As promessas de combate à miséria e realização de investimentos, feitas no discurso de posse, portanto, permanecem sendo apenas palavras, dado que o orçamento está todo ele comprometido com as despesas básicas. O sucesso dos programas sociais tem mostrado que os poucos recursos que transferem representam o fim da pobreza extrema (isto é, as pessoas podem se alimentar), mas não impactam de forma significativa a renitente desigualdade social. Longe de avanços socialistas, a transferência de renda torna mais vigorosa a economia capitalista – há maior consumo, maior circulação de mercadorias, e os donos do capital lucram ainda mais.
O que há no discurso de posse de Dilma – peça pouco inventiva e burocrática em quase toda a extensão – é excesso de compromissos que nada afirmam. O politicamente correto parece ter tomado todos os espaços da vida – assume-se todas as posições para não se assumir posição alguma. Vivemos um tempo em que os conteúdos políticos são esvaziados em nome de uma atuação gerencial que a tudo contamina (exemplo disso é a modorrenta campanha das eleições 2010). Os sorrisos e cordiais saudações trocados entre Chavez e Hillary Clinton dão a medida do que realmente dá a tônica destes tempos – a mais deslavada realpolitik.
P.s.: a referência aos guerrilheiros que “tombaram pelo caminho” (e, acrescento, não viveram para ver a ex-guerrilheira ler quinze páginas de gerencialismos em sua posse na presidência) e as palavras de Guimarães Rosa foram, no discurso de Dilma, a flor que nasceu na rua.
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